Já
chamei mais de uma vez, e chamo de novo, a OAB-RJ de “babá de black bloc”. É
vergonhoso, tendente ao asqueroso, como vocês verão, o comprometimento
ideológico da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ com os baderneiros. Há muito
entrou no terreno da indignidade. Os advogados do Rio deveriam se envergonhar.
Lembro
que a Ordem dos Advogados do Brasil não é uma mera associação de caráter
sindical, à qual as pessoas se filiam se quiserem. Trata-se de uma entidade
paraoficial — que conquistou, inclusive, o discutível “direito” de dar ao
advogado a competência para trabalhar ou não na área. Se o indivíduo for
reprovado no exame da Ordem, nada feito. Sempre defendi essa prerrogativa
porque me parecia, até anteontem, que era a garantia de uma maior qualidade dos
profissionais, o que é bom para os brasileiros.
Estou
em processo de revisão do meu ponto de vista. Se a OAB decide se comportar como
um grupelho ideológico, que ignora garantias fundamentais da Constituição e
atropela com desassombro uma penca de leis do Código Penal, então OAB para quê?
Aliás, se um brasileiro não precisa nem mesmo ser formado em direito para ser
ministro do STF — e não precisa: basta ter 35 anos e notório saber jurídico —,
então por que precisa ter o “passaporte” da Ordem? Ainda não é o meu ponto de
vista definitivo. Estou em processo. Mas os descalabros da OAB-RJ estão
servindo de um forte argumento contra esse superpoder da entidade. Afinal, se a
ordem é um ente que subordina os profissionais ainda que estes não quisessem,
cabe-lhe obrigatoriamente ser politicamente neutra.
Chegou-me
só hoje, um pouco tarde, mas ainda a tempo, uma nota oficial emitida por um
senhor chamado Marcelo Chalreo. Ele é presidente da Comissão de Direitos
Humanos da OAB-RJ. Ele se refere ao ataque que sofreu o cinegrafista
Santiago Andrade no Rio, no dia 6, que resultou na sua morte. Leiam o texto em
vermelho. Os destaques ficam por minha conta porque eu os comentarei em
seguida. O texto é indecente já a partir do título. É longo, mas vale a pena.
Leiam conforme o original. Volto em seguida.
*
Ação
e Reação
Redijo
essa por conta do incidente que causou graves e sérias
lesões em um cinegrafista de um grupo de mídia na
cidade do Rio de Janeiro na última quinta-feira. A Comissão de Direitos Humanos
e Assistência Judiciária da OAB RJ esteve presente no Hospital Souza Aguiar na
noite da ocorrência para não só emprestar toda solidariedade à família,
mas também para melhor se inteirar do ocorrido e compartilhar com dirigentes do
Sindicato dos Jornalistas e amigos do atingido sua expectativa de que tudo
corresse da melhor forma possível, buscando, outrossim, junto à
administração do Hospital, todas as informações possíveis que pudessem dar um
quadro real da situação existente. Na ocasião, declaramos à imprensa
que seria precipitado e leviano naquele momento, como já faziam alguns órgãos
de mídias, imputar a este ou aquele a responsabilidade pelo artefato que
atingira o mencionado profissional de imprensa. Constatamos no ato
um fato que já vinha sendo posto : o repórter não portava durante seu trabalho
qualquer identificação claramente visível de ser profissional de imprensa nem
usava qualquer equipamento de proteção individual, como capacete, máscara
antigases etc, apetrechos essenciais em coberturas que podem implicar em risco
à integridade física, como praxe em certos segmentos da mídia. O uso desses
equipamentos de identificação e proteção, reclamados há meses pelo Sindicato
dos Jornalistas ao empresariado da mídia, porém não fornecidos aos
profissionais de imprensa, poderiam ter evitado ou minorado, a contundência
sofrida.
Isso
posto, resta pontuar que têm sido recorrentes desde o ano passado ferimentos,
lesões, danos físicos de maior ou menor gravidade em decorrência dos protestos
que têm tomado as ruas brasileiras, em sua maior medida, como mais de uma vez
apurado, mas sem a devida responsabilização dos seus causadores, originários de
atos e ações da polícia. Mais uma razão, repete-se, para que os
profissionais destacados para essas coberturas portem os necessários
equipamentos de proteção individual como meio e modo de resguardarem sua
incolumidade física.
Nesse
contexto, as reações dos manifestantes às ações policiais, que na maioria das
vezes usaram e usam força desmedida, desproporcional e até incontrolável, têm
sido um fato. O
uso de táticas e métodos contraofensivos é mecanismo mais que antigo na seara
do protesto social em face da truculência policial, bastando retroagir aos
acontecimentos de Paris em 68, aos protestos estudantis do Rio em 67 e 68 ante
a ditadura civil-militar, às greves do ABC no fim dos anos 70, às ações
militantes da Alemanha no início dos anos 80, à greve da CSN em 88, às
manifestações contra o aumento das passagens de ônibus no Rio no fim dos anos
80, às passeatas de Buenos Aires no início dos anos 90 e mais recentemente aos
protestos sociais na Espanha, em Portugal, no Chile, na Turquia, na Colômbia,
no Egito e no Brasil.
Frente
a uma polícia despreparada, na verdade na ausência de uma política de segurança
pública cidadã e que não veja e não tenha o manifestante como um inimigo a ser
batido ( a propósito, ver reportagem de “ O Globo “ do dia 02/09 : “ Sem
Preparo . Em pesquisa, 64% dos policiais assumem não ter treinamento adequado
para agir em manifestações “ ) impera a força a qualquer custo e preço, o que,
segundo os próprios policiais ouvidos ( em todo o Brasil ) decorre da “… (a)
atuação da tropa é determinada pelos governos estaduais “, não é
impensável, muito menos improvável ( e os exemplos mais uma vez vêm do nosso
próprio e não distante passado e de outros países ), que os manifestantes se
preparem para o pior e portem o que consideram necessariamente defensivo em
face da brutalidade policial iminente. No mesmo diapasão, a reforçar ações
contraofensivas de maior alcance, insere-se o perfil de uma força de segurança
militarizada dos pés à cabeça, das mais violentas e que mais mata no Mundo. Não
bastasse, houve e há um conjunto de medidas administrativas e legais
draconianas, muitas vezes inconstitucionais e ilegais, adotadas por
nossos governantes municipais, estaduais e federal a mais gasolina jogar na
fogueira da insensatez pura e simplesmente repressiva, como se não houvesse um
estado geral de insatisfação com um conjunto de práticas e políticas
governamentais que fizeram e fazem eclodir os protestos em inúmeros pontos do
Brasil, o que obviamente não se restringe aos grandes centros e às grandes
cidades.
Nessa
linha, ação e reação se combinam e se enlaçam em um contexto
sócio-político-econômico explosivo ( e isso só não ver quem não quer ),onde o diálogo cessa ou é escasso, com
valoração da força bruta do Estado para tentar inibir e conter o que é
crescente : uma insatisfação popular cada vez menos latente e mais explícita na
qual a juventude precariada é aríete claro à qual se somam outros estamentos
sociais de oposição a um modelo excludente e permissivo de tudo que não que
seja sua própria negação.
Para
finalizar, não podemos deixar de apontar que até momento a grande massa dos que
deram entrada nos hospitais públicos e privados brasileiros após os confrontos
em nossas ruas, estradas, vilas, favelas, universidades foram os
atingidos por ações e artefatos disparados pelas forças policiais, alguns dos
quais com lesões irreversíveis, sem que se tenha notícia de quaisquer atos
governamentais ( administrativos ou judiciais ) que de fato tenham buscado
apurar e responsabilizar os praticantes desses “ excessos “, o que, por óbvio, só
faz reforçar o sentido e a necessidade de uma autodefesa por parte do mais
fraco, gerando, em consequência do aviltamento da cidadania violada em seu
direito de manifestação e protesto, cenas como as vistas no Rio na quinta
passada e muito provavelmente se voltarão a repetir em razão da falta
de uma cultura efetivamente democrática, distributiva, partícipe, cidadã e de
transparência no trato da coisa pública.
A
violência, como parteira da história, se apresenta ( na verdade sempre esteve
presente ) indelevelmente aos nossos olhos de hoje.
Retomo
Retomo.
Começo pelo fim do texto, que, muito provavelmente, põe a ignorância a
serviço da imoralidade. Esta frase — “a violência é a parteira da história” —
não é de Marx, como já vi em muitos panfletos de extrema esquerda e vejo agora.
Marx escreveu outra coisa: “A violência é a parteira de toda a velha sociedade
prenhe de uma nova”. Comentando a passagem, Hannah Arendt sintetiza, então,
que, PARA MARX, “a violência é parteira da história”. Não se trata de um endosso.
Ela lembra que, para o marxismo — e assim deve parecer para o representante da
OAB —, o estado é o instrumento de dominação de uma classe. Ora, essa
consideração serve para quê? Para legitimar a violência revolucionária. Mas o
sr…, como é mesmo o nome dele?, ah, é Marcelo Chalreo, achou a frase do
balacobaco. Atenção! O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos
Advogados do Brasil-RJ acha que a violência é inevitável e redentora. Lixo
moral. É incrível a frequência com que encontrei o nome deste senhor associado
a pessoas e eventos do PSOL.
Não
censura
Notem
que, em momento nenhum, o rapaz censura a violência dos atos nem aqueles que
agrediram mortalmente Santiago Andrade. Como ele mesmo confessa, foi ao
hospital para prestar solidariedade, mas também para saber o que tinha
acontecido para municiar de informações o Sindicato dos Jornalistas do Rio, que
é comandado pelo PSOL.
Comento
agora destaque a destaque, de cima para baixo.
O
título da nota é “Ação e reação”. O representante da OAB afirma que os
manifestantes apenas reagiram à polícia. É mentira! Está documentado. A polícia
é que reagiu ao quebra-quebra.
“Sérias
lesões”? Santiago está morto. E já se sabia, desde a primeira hora, que não
havia esperança para ele. Pedaços de seu cérebro ficaram na calçada.
O
tal Chalreo tem tanto nojo da imprensa que nem dá o nome da emissora a que
Santiago pertencia: TV Bandeirantes, Band, escolham. Vira apenas um “grupo de
mídia”.
O
tal acusa a precipitação da mídia em culpar manifestantes. Mentira! Dez horas
depois dos eventos, a principal emissora do país, a Globo, ainda culpava a
polícia, embora já estivesse claro que se tratava de artefato que a polícia não
emprega. A afirmação é escandalosamente mentirosa.
Repetindo
a ladainha vagabunda do Sindicato dos Jornalistas do Rio, dominado pelo PSOL,
notem que ele prefere culpar a empresa e o próprio profissional pela tragédia:
afinal, ele estaria trabalhando sem capacete. Chalreo acha que se deve cobrir
uma manifestação como quem vai para a guerra. Que nojo do texto desse cara!
Pior: jornalistas não se identificam nos protestos para não ser linchados. É
mais seguro vestir um colete de imprensa na Síria do que numa manifestação
comandada por black blocs.
O
advogado, vejam lá, justifica o fato de manifestantes irem literalmente armados
para as manifestações. Segundo ele, trata-se apenas de uma ação preventiva e
defensiva. Isso o faz chamar de incidente o ataque ao cinegrafista. Uma ova! Um
dos rapazes que acenderam o morteiro deixa claro que o alvo eram os policiais.
Há
um maior número de feridos entre manifestantes porque há mais pessoas nos
protestos do que policiais. É matemático. Se, no entanto, formos fazer uma
conta proporcional, a conclusão óbvia é que os truculentos mascarados atacam
com muito mais ferocidade, com uma diferença básica que não deveria escapar ao
advogado: as forças de segurança detêm o monopólio do uso legítimo da força. Ou
ele não reconhece esse princípio?
No
fim de seu texto, antes de se atrapalhar com Marx e Hannah Arendt, resta
evidente que ele defende a ação dos black blocs como tática do que chama autodefesa.
É mesmo? De quem contra quem? Pensando o que pensa, este senhor enxerga uma
luta da sociedade contra o estado, como se a polícia representasse uma ordem
autoritária, aquela vislumbrada por Marx, em que o aparelho estatal está a
serviço de uma classe.
Para
que seu delírio fizesse sentido, forçoso seria que os mascarados fossem
legítimos representantes da classe operária. São? Não! Em São Paulo, o povo de
verdade pegou um black bloc em ação. O cretino só não morreu linchado porque
foi salvo por seguranças.
Encerro
Reajam,
senhores advogados do Rio. Com esse tipo de representação, o risco menor é
perder a hombridade.
Post publicado originalmente às 20h44
Por
Reinaldo Azevedo
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