Uma
Constituinte e mesmo o plebiscito não são a casa-da-mãe-Dilmona — vivendo, é
bom destacar, seus dias de Madrasta da Cinderela. Há regras para as duas
coisas. É impressionante — estupefaciente mesmo (sim, eu gosto dessa palavra!)
— que o Brasil esteja a discutir uma reforma política quando a governante de
turno, ao empreender tal esforço, simplesmente ignora a lei. Escrevo de novo:
para reformar a política, que estaria cheia de vícios, a soberana decide
ignorar o que está devidamente regulamentado. A esmagadora maioria dos
brasileiros deve achar, a esta altura, que basta a presidente da República
pedir para que se faça um plebiscito.
Dilma deve enviar nesta terça a
sua mensagem ao Congresso. Sei lá que tipo de documento será. Poderia ser um
cartinha com coraçõezinhos vermelhos, um bilhete perfumando, um torpedo do
Aloizio Mercadante, o superministro sem pasta (não me venham dizer que ele anda
a cuidar da Educação…). Por que escrevo isso? É simples.
O plebiscito está previsto, sem
qualquer detalhamento, no Artigo 14 da Constituição. Mas existe uma lei que
estabelece as condições para que seja realizado — e também as duas outras
formas de consulta: o referendo e a emenda de iniciativa popular. Trata-se da 8.709.
E ali estão dadas as condições para o dito-cujo. Uma delas é esta:
“Art. 3o
Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do
Poder Executivo, e no caso do § 3o do art. 18 da Constituição Federal, o
plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por
proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do
Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.”
Entenderam? O plebiscito tem de
contar, de saída com o apoio de pelo menos um terço da Câmara (171 deputados)
ou do Senado (27 senadores). Para que se transforme num decreto legislativo,
tem de ser aprovado pela maioria das duas Casas.
Ou por outra: sabem o que a
presidente da República tem com isso? Absolutamente nada! Pode não parecer, mas
Dilma está é atropelando o Congresso numa matéria que é da exclusiva
competência desse Poder. Nesta segunda, num ato já insólito, encaminhou uma
consulta ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a viabilidade do plebiscito.
Também isso é uma invasão de
competência escandalosa, como notou o ministro Gilmar Mendes, que participava
de sessão do TSE, diante de uma Carmen Lúcia, presidente desse tribunal, mais
ou menos atônita. Basta ver o que dispõe o Artigo 8º da Lei, que transcrevo:
Art. 8o
Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à
Justiça Eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição:
I – fixar
a data da consulta popular;
II –
tornar pública a cédula respectiva;
III –
expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo;
IV –
assegurar a gratuidade nos meio de comunicação de massa concessionários de
serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias
organizadas pela sociedade civil em torno da matéria em questão, para a
divulgação de seus postulados referentes ao tema sob consulta.
Assim, à presidente Dilma
Rousseff não cabe enviar mensagem ao Congresso coisa nenhuma, como não cabia
também a consulta ao Tribunal Superior Eleitoral. Ontem, ela comparou a sua
equipe com a de Felipão… Não! Se o futebol estivesse funcionando com o governo
Dilma, José Maria Marin é que estaria dando dicas a Neymar. Vocês podem
imaginar o resultado…
Se Dilma acha mesmo imperiosa a
reforma política agora — é pura cascata! —, que mobilizasse seus ministros
encarregados da interlocução com o Congresso (Casa Civil, Relações
Institucionais e Justiça) para conquistar, então, aquele terço necessário, que
resultaria na proposta de decreto legislativo etc. Mas não! Em vez disso, o
governo sai por aí metendo os pés pelos pés.
A menos que violente a lei — e,
creio, a questão irá parar na Justiça —, só haverá plebiscito se ao menos um
terço de uma das Casas se manifestar nesse sentido. Depois, as duas, por
maioria, têm de aprovar a proposta. Que os “companheiros” da base aliada fiquem
atentos. O principal objetivo dos petistas é retirar dos partidos o direito de
administrar o próprio caixa de campanha: seja com financiamento público, como
eles querem, seja com financiamento privado, a petezada defende um caixa
centralizado, que distribuiria os recursos segundo o tamanho de cada bancada na
Câmara — o que seria bom… para o PT! O partido, de resto, continuaria a receber
contribuições ilegais, ainda que não necessariamente em dinheiro, de
sindicatos, ONGs, movimentos sociais…
O povo se diz favorável à
reforma política porque, obviamente, não tem como saber de todos esses truques.
Com a proposta, Dilma tenta sair da berlinda e fazer de conta que o problema
está ao lado, no Congresso.
Dilma poderia dar uma primeira
contribuição importante à reforma dos hábitos políticos brasileiros: seguir a
lei. O que lhes parece?
Texto
publicado originalmente às 5h24
Por Reinaldo Azevedo