quinta-feira, 16 de setembro de 2010

No país das bolsas


Percival Puggina

Não nos restam mais do que vagos e deficientes indícios de democracia. Para identificá-los já se requer, inclusive, certa capacitação técnica. É necessário saber onde procurar. E é preciso usar, como fazem os peritos, os elementos de contraste que permitem discernir traços do que praticamente desapareceu.
Ninguém recusará que: a) quanto maior a concentração de poder político, tanto menor a democracia; b) quanto maior a influência do poder econômico, tanto mais frágil a democracia; c) quanto menor a credibilidade do parlamento, tanto menor o crédito na democracia; d) quanto maior a influência do poder político sobre os meios de comunicação, tanto pior a qualidade da informação e menor a capacidade de análise sobre os fatos que influenciam a vida das pessoas. E, consequentemente, suas decisões eleitorais. Tudo isso e muito mais já ocorre no Brasil. Em proporções avassaladoras.
Claro, claro, temos eleições. Mas democracia não se confunde com a realização de eleições nem é algo totalmente assimilado por elas. Em Cuba há eleições. Na Venezuela há eleições. No Irã há eleições. E só os totalitários têm coragem de dizer que esses países são democráticos. No Brasil, a concentração de poderes nas mãos do presidente da República só é menor do que a generosidade com que o Congresso Nacional os concede a ele. Como escrevi há poucos dias, o presidente chefia o Estado, o governo, a administração pública federal e as estatais. Executa um orçamento que corresponde a 22% do PIB nacional. Legisla sobre o que quer, a seu bel prazer, através de medidas provisórias de aplicabilidade imediata. Libera ou não, ao seu gosto, recursos para os estados e municípios. O que são as obras do PAC senão uma espécie de Bolsa Estado, ou Bolsa Município, distribuídas assim, como donativo, para as mãos súplices dos gestores locais?
Essas práticas, cada vez mais frequentes, somam-se ao poder que o partido do governo exerce nos fundos de pensão, nos sindicatos, no FAT, nas principais corporações funcionais do país. E ainda tem o Bolsa Família. Ah, o Bolsa Família, que Lula oposicionista chamava de comprar voto do eleitor que "pensa com o estômago"! Lula presidente potencializou o programa e é brandindo a ameaça de que a oposição, se vencedora, vai acabar com ele, que sua candidata se prepara para colocar a faixa presidencial no peito. E não podemos esquecer o mais robusto e sedutor achado da cartola presidencial: o Bolsa Empresa. É, leitor, você leu certo: o Bolsa Empresa. Foi o Bolsa Empresa que trouxe o empresariado nacional como gatinho mimado para o colo do governo, lamber mão e pedir cafuné. Afinal, os R$ 15 bilhões destinados ao Bolsa Família ficam constrangidos de sua indigência diante dos fabulosos financiamentos concedidos pelo BNDES às empresas brasileiras. Nos últimos dois anos, foram R$ 180 bilhões emprestados pelo governo ao Banco. O governo tomou esse dinheiro no mercado a mais de 10% ao ano (elevando significativamente a dívida pública, ou seja, a nossa dívida) e emprestou às empresas por um juro que não paga a metade do custo de aquisição. Bolsa Família para os pobres e Louis Vuitton para os ricos.
Poucos, muito poucos empresários brasileiros, hoje, não ficam deslumbrados, embasbacados, cada vez que Lula e Dilma abrem a boca. Ouvem-nos dizer - "Nós criamos 14 milhões de empregos!" - e batem palmas, mesmo sabendo que quem criou esses empregos foram eles mesmos, os empresários. Não percebem, interesseiros, cooptados como estão, que se a economia der alguns passos para trás e for necessário desempregar, o governo imediatamente vai lhes jogar nas costas a responsabilidade pelo desemprego.E a coisa fica assim: o governo cria o emprego e o empresariado cria o desemprego. É a lógica impostora que os tolos endossam.
Sim, leitor amigo, as eleições que se avizinham são mero acessório de algo que se exaure. Nenhuma democracia resiste a tamanha concentração de poder e a tanta cooptação.
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* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Caso Erenice Guerra: caracterizado tráfico de influência

Do blog de João Bosco Rabello

A preservação da ministra Erenice Guerra no governo lembra a de José Dirceu, que antecedeu Dilma Rousseff no posto, e acabou atingido pelo mensalão - do qual, segundo o Ministério Público, era o chefe.

Na ocasião, na contramão de todas as evidências, Dirceu tentava manter-se no cargo, até que o grito de Roberto Jefferson, na CPI que investigava o caso, selou sua sorte.

-Sai daí Zé, senão você vai derrubar o Presidente.

Guardada a provável imprecisão, foi mais ou menos essa a frase do presidente do PTB, que localizou o escândalo na porta do presidente da República.

Com Erenice, repete-se a cena, faltando, até aqui, quem repita o grito de Jefferson. O escândalo, embora de dimensões infinitamente menores, está na mesma porta presidencial.

Pelo que já foi admitido pelas partes envolvidas, não há qualquer dúvida sobre o tráfico de influência em família para obtenção de vantagens comerciais.

Tratar o caso como uma suposição, sujeita a confirmações por investigação de um Conselho de Ética, é adotar uma estratégia de clara prevenção eleitoral.

A investigação se impõe para aprofundar o conhecimento total sobre uma rede envolvendo funcionários e órgãos do governo, com um pé na campanha de Dilma Rousseff, já que o escritório de advocacia que cuida dos interesses jurídicos da candidata servia de base para as reuniões comerciais.

Mas o que se tem já é suficiente para uma decisão de governo. Não é aceitável que a exploração eleitoral pelos adversários protele as providências que, em governos anteriores, como o de Itamar Franco, foram imediatas, por muito menos.

Naquela ocasião, Henrique Hargreaves, da mesma Casa Civil, deixou o posto enquanto duraram as investigações sobre denúncias levantadas contra ele. Inocentado, voltou ao cargo.

A estratégia da indignação coreografada, adotada pelo PT, sob a regência de seu presidente, José Eduardo Dutra, Lula e Dilma, é executada agora até pelo filho de Erenice, o lobista Israel Guerra, que resolveu esquecer tudo o que disse até hoje para atribuir a denúncia a uma baixaria de campanha.

Principalmente por se saber que há mais informações já apuradas para vir à tona, o melhor que o governo faz é admitir o problema e agir com a rapidez de quem quer mesmo esclarecer o assunto.

A oposição já se debruça sobre uma frase intrigante que o empresário Fábio Baracat, da MTA Linhas Aéreas, atribuiu à ministra Erenice Guerra, num dos encontros que manteve com ela.

Conta ele à Veja que antes de efetuar o pagamento pelos serviços de Israel Guerra, ouviu da ministra a explicação para a pressão. “O Sr. precisa entender que temos compromissos políticos”.

A frase remete a arrecadação com objetivo político. Não seria a primeira e nem a última, provavelmente.

Santo André e Ribeirão Preto, para ficar nas mais escandalosas, estão aí mesmo para mostrar isso.
E deu no que deu.

Inversão de valores

Deu em o globo


De Merval Pereira

O mais grave que está acontecendo no país não é nem mesmo o inacreditável vale-tudo em que se transformou a campanha presidencial, mas a banalização das atitudes mais perniciosas do governo nesses últimos anos, especialmente após o episódio do mensalão em 2005, e de maneira mais acentuada no segundo mandato do presidente Lula.

São praticamente oito anos solapando as instituições do país, provocando ao final um anestesiamento na sociedade brasileira, que tudo justifica porque parte de um governo popular, aprovado por mais de 80% da população.

Como se a popularidade desse a qualquer governo o direito de ignorar leis, ou mesmo que as consequências benéficas desta ou daquela política social justificassem abusos de poder, ou os atenuassem.

O governo Lula está conseguindo transformar críticas em atitudes mesquinhas e antipatrióticas, e, assim como mistura o público com o privado, confunde o líder partidário com o poder do cargo de presidente da República, sem que a sociedade se indigne.

E quem critica esse abuso de poder político nunca antes visto neste país corre o risco de ser considerado um sujeito "do contra", que não reconhece os avanços havidos.

Cada vez fica mais restrito o campo para as divergências, ao mesmo tempo em que se alargam os caminhos para o autoritarismo e a truculência do Estado.

O presidente Lula começou essa escalada autoritária depois que conseguiu escapar da crise do mensalão.

Entre o momento em que ele próprio disse que havia sido traído dentro do governo, até quando os petistas foram à tribuna do Congresso chorar literalmente de vergonha pelo que estava sendo exposto, houve no país uma indignação que poderia fazer a política andar para a frente, com reformas estruturantes e punição dos responsáveis pelo maior prejuízo institucional que o país já sofreu na História democrática recente.

Mas o presidente Lula, impossibilitado de enfrentar a crise que estava arraigada no seu partido e no seu governo, assumiu em entrevista dada em Paris a versão de que o mensalão não passava de caixa dois, prática normal na política brasileira.

A partir daí, a prometida apuração rigorosa passou a ser uma proteção desabrida de todos os envolvidos, e a promessa implícita de que ninguém sofreria prejuízos se todos se unissem num pacto de silêncio.

O presidente sistematicamente passou a mão sobre a cabeça dos aliados, fossem eles quem fossem, tivessem cometido qualquer tipo de crime.

Essa se tornou a regra do governo, como nas máfias, e acelerou-se no segundo governo Lula a montagem da máquina governamental a serviço dos "companheiros".

A defesa intransigente de qualquer malfeito de aliados é a contrapartida do apoio cego, acrítico.

Lula não teme nenhum limite legal, desmoraliza o Judiciário como fez agora nesta campanha com o TSE, e se jacta de que pode ir para as ruas quando quiser para combater seus adversários.

Foi à televisão na condição de presidente da República para exercer o papel de cabo eleitoral de sua candidata, colocando o principal adversário como um antipatriota que não pensa no bem do país.

Repetiu na segunda à noite em Santa Catarina, quando, misturando mais uma vez o cargo que ocupa com seus interesses partidários, alegou que "em nome da minha honra e da honra do meu país" não perderá as eleições.

E acrescentou que estava fazendo hoje o que fez em 2005: "Vou às ruas para derrotá-los".

Na verdade, essa ameaça de levar os movimentos sociais para as ruas para reagir ao possível pedido de impeachment nunca se concretizou, e Lula chegou mesmo a autorizar uma negociação para não se candidatar à reeleição em troca de poder terminar seu mandato.

Com a recuperação de seu prestígio graças aos bons ventos da economia mundial, Lula voltou a ser aquele líder dado a "bravatas", como ele mesmo confessou que fazia quando esteve na oposição.Inebriado com seu próprio sucesso, Lula foi adiante e, ao lado da sua candidata Dilma Rousseff, afirmou que o "DEM precisa ser extirpado" da política brasileira.

Seu rancor data ainda de 2005, quando, segundo acusou, a família Bornhausen tentou derrubá-lo do poder.

A gravidade desse episódio, além do fato de um presidente da República defender em público o extermínio de um adversário político, é que, anos antes, o então senador Jorge Bornhausen havia provocado em Lula e nos petistas um aparente sentimento de estupor quando disse que na eleição de 2006 o país precisava "se ver livre dessa raça por 30 anos".

Foi chamado de tudo: "fascista", "direitista", "adepto das ditaduras militares", "explorador e assassino de trabalhadores".