Jamais
atribuí ao PT algo que o partido não tivesse feito. Nunca foi preciso fantasiar
sobre teorias conspiratórias para criar um bicho-papão. Até porque, quando o
partido está na área, não resta ao cronista muito espaço para imaginação. No
mais das vezes, os petistas surpreendem só porque conseguem ir além dos juízos
mais severos que possamos fazer a respeito deles. O diabo é sempre mais feio do
que se pinta. Reportagens publicadas no Estadão neste domingo (aqui, aqui e aqui) provam, sem margem para dúvidas, que o programa
“Minha Casa Minha Vida”, em São Paulo, transformou-se num instrumento de luta
política. Onze das doze entidades cadastradas para receber repasses do governo
federal e gerir a construção de casas são comandadas pelo PT; a outra é ligada
ao PCdoB. Juntas, elas administram uma bolada de R$ 238,2 milhões. Pior: essas
entidades criam critérios próprios para selecionar os beneficiários das casas,
que não constam das disposições legais do “Minha Casa Minha Vida. Vamos ver.
O
governo federal, por meio do Ministério das Cidades, seleciona entidades — o
único critério e haver uma militância organizada — que passa a gerir fatias
milionárias de recursos para a construção das casas. E como e que esses grupos
administram o dinheiro? Leiam trecho (em vermelho):
Os
critérios não seguem apenas padrões de renda, mas de participação política.
Quem marca presença em eventos públicos, como protestos e até ocupações, soma
pontos e tem mais chance de receber a casa própria. Para receber o imóvel, os
associados ainda precisam seguir regras adicionais às estabelecidas pelo
programa federal, que prevê renda familiar máxima de R$ 1,6 mil, e prioridade a
moradores de áreas de risco ou com deficiência física. A primeira exigência das
entidades é o pagamento de mensalidade, além de taxa de adesão, que funciona
como uma matrícula. Para entrar nos grupos, o passe vale até R$ 50. Quem paga
em dia e frequenta reuniões, assembleias e os eventos agendados pelas entidades
soma pontos e sai na frente.
Ou
por outra: as entidades petistas privatizam o dinheiro público e só o
distribuem se os candidatos a beneficiários cumprirem uma agenda política.
Atenção! O MST faz a mesma coisa com os recursos destinados à agricultura
familiar. A dinheirama vai parar nas mãos de cooperativas ligadas ao movimento,
e as que são mais ativas politicamente são beneficiadas. Não houvesse coisa
ainda mais grave, a simples cobrança da taxa já é um escândalo. Essas
entidades, afinal, passam a cobrar por aquilo a que os candidatos a uma casa
têm direito de graça. É claro que isso fere o princípio da isonomia.
Mas
esse não e, reitero, o aspecto mais grave. Observem que o eventual acesso,
então, a uma moradia passa a ser privilégio de quem se dedica a um tipo muito
particular de militância política — gerenciada, como é evidente, pelos
petistas. Assim, o que é um programa do Estado brasileiro passa a beneficiar
apenas os que estão sob o guarda-chuva de um partido político. O Ministério das
Cidades diz que não pode interferir na forma como essas associações se
organizam. Entendi: então o governo lhes repassa o dinheiro — e elas pode, se
quiserem, jogar a Constituição e as leis no lixo. Parece-me escandalosamente
claro que, ao tolerar essa prática, os responsáveis pela pasta incorrem em
vários parágrafos da Lei de Improbidade Administrativa — isso para começo de
conversa.
Haddad
As
indicações passam a ser arbitrárias. E contam, como não poderia deixar de ser,
com o apoio do prefeito Fernando Haddad. Em agosto, ele assinou um decreto em
que estabelece que essas entidades poderão indicar livremente os beneficiários
do programa. E não pensem que é pouca grana, não! É uma bolada! Leiam mais um
trecho:
A
maior parte das entidades é comandada por lideranças do PT com histórico de
mais 20 anos de atuação na causa. É o caso de Vera Eunice Rodrigues, que ganhou
cargo comissionado na Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) após receber
20.190 votos nas últimas eleições para vereador pelo partido. Verinha, como é
conhecida, era presidente da Associação dos Trabalhadores Sem Teto da Zona
Noroeste até março deste ano – em seu lugar entrou o também petista José de
Abraão. A entidade soma 7 mil sócios e teve aval do Ministério das Cidades para
comandar um repasse de R$ 21,8 milhões. A verba será usada para construir um
dos três lotes do Conjunto Habitacional Alexius Jafet, que terá 1.104 unidades
na zona norte.
No
ano passado, Verinha esteve à frente de invasões ocorridas em outubro em
prédios da região central, ainda durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD), e
em pleno período eleitoral. Em abril, foi para o governo Haddad, com salário de
R$ 5.516,55. A Prefeitura afirma que ela está desvinculada do movimento e foi
indicada por causa de sua experiência no setor.
Outra
entidade com projeto aprovado – no valor de R$ 14 milhões –, o Movimento de
Moradia do Centro (MMC), tem como gestor Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, filiado
ao PT há mais de 30 anos e atual candidato a presidente do diretório do centro.
Com um discurso de críticas à gestão Kassab e de elogios a Haddad, ele também
nega uso político da entidade. “Qualquer um pode se filiar a nós e conseguir
moradia. Esse é o melhor programa já feito no mundo”, diz sobre o Minha Casa
Minha Vida Entidades.
Campanha
eleitoral
Como
se vê, esses “movimentos” são tão independentes quanto um táxi. Atuaram
abertamente durante a campanha eleitoral em favor de Fernando Haddad e contra a
gestão anterior. E é certo que, além da apropriação de dinheiro público, do
possível crime de improbidade, da agressão a direitos fundamentais garantidos
pela Constituição, tem-se também o crime eleitoral. Leiam:
Nas
eleições do ano passado, pelo menos três vereadores petistas – Juliana Cardoso,
Nabil Bonduki e Alfredinho – tiveram o apoio de entidades de moradia para obter
a vitória nas urnas. Também do partido, o deputado federal Simão Pedro e o
estadual Luiz Cláudio Marcolino tiveram com o apoio de líderes dos sem-teto nas
eleições de 2010.
“Nas
últimas eleições nós fizemos campanha para o Nabil (Bonduki), mas eu gosto
mesmo e tenho simpatia é pela Juliana (Cardoso)”, afirma Vani Poletti, do
Movimento Habitação e Ação Social (Mohas), com sede na região de Cidade Ademar,
na zona sul da capital. Ela afirma estar insatisfeita com o fato de o PP do
deputado federal Paulo Maluf ter ficado com a Secretaria Municipal de
Habitação. “O movimento esperava que fosse o Simão Pedro.”
Retomo
Simão
Pedro, é? É o atual secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo. Não
custa lembrar: é ele o amigão e ex-chefe de Vinicius Carvalho, o chefão do
Cade, que conduz aquela estranha investigação sobre a Siemens. Um rapaz sem
dúvida influente…
Entenderam
agora por que os companheiros querem tanto o financiamento público de campanha?
Os demais partidos ficariam obrigados a se contentar com o que lhes coubesse de
um eventual Fundo. Com os petistas, no entanto, seria diferente. Além do apoio
da máquina sindical — proibida, mas sempre presente —, a legenda continuaria
livre para usar recursos públicos, por intermédio dessas entidades, para fazer
campanha eleitoral.
O
caso está aí. Não há dúvida, ambiguidade ou mal-entendido. Um partido está
usando dinheiro público em seu próprio benefício e manipulando as regras de um
programa federal para que ele beneficie apenas os seus “escolhidos”.
Com
a palavra, o Ministério Público. O que é isso senão a criação de um estado
paralelo, de sorte que os mecanismos de decisão deixem de obedecer a critérios
republicanos e se submetam às vontade de um partido? Pensem um pouquinho: de
outro modo e com outros meios, também o mensalão não foi outra coisa. Em São
Paulo (e duvido que seja muito diferente Brasil afora), o “Minha Casa Minha
Vida” virou propriedade privada das milícias petistas.
Por Reinaldo
Azevedo