Publico,
abaixo, um post dando conta de como a propriedade está sendo tratada no campo
por lideranças indígenas industriadas por ONGs e padres de tacape e pelo MST. O
alvo não é só a propriedade privada, porque esta é apenas a dimensão material
da questão conceitual, que é mais ampla. O alvo é o estado de direito; o alvo é
o regime de leis; o alvo é, em última instância, a ordem jurídica que temos,
considerada, como veremos, “reacionária”, razão por que teria de ser mudada pelos
iluministas de plantão. O que a muitos escapa e que essas agressões contínuas,
permanentes, à legalidade são só a manifestação concreta, material, de uma
revolução, esta sim, de natureza conceitual. E ela está em curso menos nas
tribos do que nos palácios de Justiça; menos nos acampamentos e invasões do MST
do que em ambientes engravatados e eventualmente acadêmicos.
Ontem,
a CCJ do Senado sabatinou Luís Antonio Barroso, já ministro do Supremo (só
falta a posse), que teve o nome aprovado, em seguida, pelo plenário da Casa.
Oposição e situação se uniram num exercício constrangedor de rapapés, a
confundir boa educação e lhaneza com subserviência. Ali, o que menos importava
era o sentido das palavras. Sim, senhores! Mais de uma vez, nas respostas de
Barroso, o que ouvimos foi a metafísica da física das invasões de terras; a
metafísica da física, lamento ter de escrever isso (e lamento pelo Brasil, não
pelo ministro), da agressão à ordem legal.
Barroso
deu a sua versão do que se poderia chamar o bom e necessário ativismo judicial.
Como destacou, o Supremo atua quando os demais Poderes deixam de cumprir o seu
papel. Entendo. Transcrevo um trecho da reportagem da VEJA.com (em azul):
“Onde
faltar uma norma, mas houver um direito fundamental a ser tutelado, o Judiciário
deve atuar”, diz. “Quando há manifestação política do Congresso ou do
Executivo, o Judiciário não deve ser ativista, deve respeitar a posição
política.” Ele também chamou atenção para a culpa dos parlamentares no
problema: “A questão da maior ou menor judicialização, no fundo está nas mãos
do Congresso”.
Parece
tudo bem, mas não está. O aborto de anencéfalos e a união civil homossexual
foram usados como exemplos de “falta de norma”. Trata-se de um escândalo
intelectual, para dizer pouco. Nesses dois casos, faltava “a norma”??? O Artigo
da Constituição que trata da união civil — e a estabelece como a celebrada
entre homem e mulher — é o quê? O artigo do Código Penal que especifica as
possibilidades do aborto legal — e não prevê o de anencéfalos — é norma ou
ausência de norma? Gostaria agora de ver Barroso tentar provar que união civil
e aborto constituem “direitos fundamentais” — neste segundo caso, diga-se, o
direito fundamental que a Constituição protege é o direito à vida. Trata-se de
um questionamento de lógica elementar, que não precisaria — e até nem deveria —
ficar restrito aos parlamentares cristãos.
Não
passaria
O
que se ouviu ontem na CCJ foi a fala de um militante político. Transcrevo mais
um trecho de reportagem da VEJA.com:
Luís
Roberto Barroso também enfatizou aquilo que, para ele, é um dos principais
papéis do Supremo: a defesa de grupos minoritários: “As minorias precisam de
tribunais, porque o Congresso é a Casa das maiorias”, afirmou o advogado.
O
jurista defendeu uma atuação do estado na redução das desigualdades sociais,
afirmou que o debate religioso deve se manter na esfera privada e insinuou ser
contra a redução da maioridade penal: “Reduzir maioridade penal aumenta pressão
sobre o sistema prisional. É preciso medir as consequências”, disse ele.
Pois
é…
Torça,
leitor, para que, eventualmente pertencendo a algum grupo que o já ministro
Barroso considera “maioria”, não ter de enfrentar no tribunal Sua Excelência a
Minoria. Aí você estará lascado de saída. Ele o mandará bater às portas do
Congresso: “É lá que você está representado”.
Trata-se
de uma concepção torta de direito, que não encontra acolhida em lugar nenhum do
mundo democrático. Com uma resposta como essa, um candidato à Suprem Carte
Americana ficaria em casa, chupando o dedo. Pra começo de conversa, Congresso
não representa nem maioria nem minoria. Representa apenas.
Que
tal a gente aplicar essa concepção de mundo aos conflitos agora em curso no
campo? Suponho que o doutor considere que “a minoria” que invade as
propriedades no Mato Grosso do Sul são os índios. Suponho que o doutor
considere que a minoria que toma na porrada a fazenda da Cutrale e depreda o
que encontra pela frente é o MST. Então cabe a constatação óbvia: o novo
ministro do Supremo tem uma CAUSA ABSTRATA que está acima da causa concreta; o
doutor tem uma compromisso que está acima da norma; o doutor tem — e continuará
a ter como juiz — uma missão que está acima da lei: fazer justiça com a própria
toga, a despeito dos códigos que organizam a sociedade, das garantias que nos
unem como nação, dos pactos que estabelecemos como civilização.
Visão
escandalosa
Querem
ficar derramando elogios a essa visão torta de direito? À vontade! Neste
bloguezinho, não cola, não! “Você é irrelevante, Reinaldo”, grita o petralha.
Tudo bem! Mas sou, então, um irrelevante que diz “não”. Se a Corte Máxima do
país é o Poder das minorias, dado que o Judiciário também tem, em certa medida,
o papel de Poder dos Poderes; dado que lhe cabe a função, no mais das vezes, de
definir a última palavra, seja como corte constitucional, seja como corte
suprema, então só nos resta constatar que, na concepção de doutor Barroso, uma
das mais nobres missões do Supremo é ser injusto — desempatando as causas em
favor dos “oprimidos” de sempre — para que possa… fazer justiça!!!
As
coisas que o doutor disse na CCJ a uma maioria de deslumbrados seriam de pronto
rejeitadas mesmo nas sociedades mais igualitaristas — desde que mantidas no
escopo da ordem democrática. Isso é o que costumo chamar de “direito criativo”,
de feitiçaria legal e constitucional. A cada fala do novo ministro em sua
sabatina, abre-se uma freta para o “tudo é permitido” se for para a fazer a
sociedade avançar. Não por acaso, em seu livro, ele já havia considerado, em
tom de exaltação, que o Supremo Tribunal Federal está mais à esquerda do que o
Congresso. E ele acha que estar “mais à esquerda” é, então, uma coisa boa. Vai
ver coleciona exemplos, que desconhecemos, do bem que as esquerdas fizeram ao
mundo.
Fez
outras considerações que merecem reparo. Ainda vou transcrever a sua fala sobre
o mensalão e o rigor maior ou menor do STF. Dado que as palavras fazem sentido,
o texto é incompreensível. Buscou agradar ao Supremo, mas, pareceu-me, sem se
descuidar dos mensaleiros, tratados como aqueles que teriam sido objetos de uma
dureza inédita do tribunal, que, não obstante, não teria mudado a sua
jurisprudência. Se não mudou, mas houve mais dureza, está se referindo a quê?
Às figuras de linguagem adotadas na Corte?
Vamos
ver
Barroso
pode se tornar um ministro exemplar, e virei aqui para dizer: “Eis um ministro
exemplar”! Pode se mostrar um exímio aplicador da lei e da ordem
constitucional, e não terei nenhuma dificuldade em aplaudi-lo. Mas não é essa a
minha expectativa — de jeito nenhum! Reconheço, não obstante, que tem estilo,
formação intelectual e experiência. Ocorre que consegue afetar um ar de
sabedoria distante e superior ainda maior do que essas notórias competências,
como se suas ideias transitassem num plano empíreo, inalcançável para aquele
que o indagavam da planície.
Fosse
assim, por exemplo, que pontificou que a religião, como é mesmo? , é algo que
deve ficar na esfera privada, como se esta também não reunisse saberes,
experiências e valores que estão na raiz da nossa organização. Se é certo que,
numa democracia, não se pode impor a ninguém uma crença coletiva ou de estado,
não é menos certo que essa mesma democracia pode ter nas religiões uma conjunto
de conteúdos que, ao não se submeter à lógica de estado nem ao pragmatismo da política
— ou do direito, né, doutor?—, constitui uma reserva de humanismo e de ética
que ilumina em vez de obscurecer o debate. E isso significa o óbvio: a crença
de cada homem é matéria individual, mas a religião é uma experiência social e
está na raiz das culturas.
Eu
torço muito para que ele me decepcione. Para o bem do Brasil e da ordem
jurídica.
Por Reinaldo Azevedo