Os nossos bolivarianos estão
assanhados. Decidiram, na prática, mudar as regras do jogo eleitoral no meio do
processo, com a lei que coíbe novos partidos e a migração de parlamentares;
querem manietar o Ministério Público e agora decidiram enquadrar o Supremo
Tribunal Federal. Muitas vezes, infelizmente, contam a com a ajuda objetiva
daqueles a quem querem destruir. Não raro, as inciativas autoritárias ou
fascistoides remetem a problemas reais, que pedem, sim, uma resposta — mas uma
resposta democrática! Vamos a algumas questões nem tão óbvias. Aliás, não é o
óbvio que vocês buscam aqui, certo?.
Amanhã, faz um ano que a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprovou a Proposta de Emenda
Constitucional nº 3, de autoria do deputado petista Nazareno Fonteles, do Piauí,
que altera o Inciso V do Artigo 49 da Constituição. Na sua redação atual, lê-se
que é “competência
exclusiva do Congresso Nacional (…) sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa”. Fonteles, em sua emenda, propõe outra redação, a saber: “sustar os atos normativos dos
outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa”. Como o Congresso é o Poder Legislativo, como a Constituição já
tratava da possibilidade de sustar atos normativos do Executivo, era evidente
que sua emenda tinha um endereço certo: o Judiciário — no caso, o STF.
Muito bem! A PEC 3 não provocou
muito barulho porque se referia a “atos normativos”, embora já houvesse, sim, o
incômodo óbvio de permitir que o Legislativo alterasse uma decisão do
Judiciário. Faltando um dia para o aniversário daquela sessão, a CCJ aprovou,
nesta quarta, outra PEC de autoria de Fonteles, agora a 33 (íntegra aqui).
Na sua disposição mais grave e estúpida, simplesmente cassa do Supremo a
prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de uma emenda à Constituição.
A decisão do tribunal seria submetida ao Congresso. Em caso de discordância,
convocar-se-ia um… plebiscito! É um escárnio, um acinte, um deboche! Nem na
ditadura venezuelana se submete a decisão de uma corte suprema a referendo
popular. Na justificativa da emenda (vai o link acima), o deputado petista
ataca o que chama de “ativismo” do STF e diz que, muitas vezes, o tribunal
acabou usurpando funções do Congresso. Já chego ao ponto. Antes, algumas
considerações.
O
Ministério Público
Com essa PEC 33, os petistas querem botar o Supremo debaixo do chicote
partidário. Com a PEC 37, querem impedir o Ministério Público de proceder a
qualquer investigação. O que dizer? Eu acho que o MP comete abusos? Acho! Não
é, como sempre, a instituição em si, mas alguns de seus membros. Não são poucos
os procuradores de atuam de olho na torcida, que exercem uma forma velada de linchamento
de pessoas que são meramente investigadas, que vazam informações sigilosas para
que o clamor público condene antes da lei, que se comportam, na fase de
apuração, como se fossem juízes — com a diferença de que aqueles que nem são
réus ainda não têm como se defender.
Eu mesmo fui e sou crítico
severo desse comportamento. Lembro, por exemplo, do já quase mitológico, como a
Quimera, procurador Luiz Francisco. Cadê ele? No governo FHC, submeteu a
reputação de autoridades ao achincalhe. Ele não precisava de provas, só de
convicção ou ideologia. O caso de Eduardo Jorge Caldas
Pereira, secretário-geral da Presidência no governo FHC, tem de virar
matéria de estudo de tudo o que o Ministério Público não pode fazer. Esse homem
teve a reputação devastada, com a ajuda da imprensa — sim, é preciso dizê-lo —,
e não havia uma só prova, uma só evidência, um só indício que sustentasse
aquele espetáculo grotesco. Eduardo Jorge, obstinado, teve de provar, como
provou, a sua inocência. Era tudo ideologia e politicagem.O que aconteceu
com Luiz Francisco e sua fantástica máquina de difamação? Resposta: nada!
Abuso
de autoridade
Assim,
sou o primeiro a afirmar com clareza — e já o faço há muito tempo: é preciso
haver uma lei clara que coíba o abuso de autoridade. IMPEDIR, NO ENTANTO, O
MINISTÉRIO PÚBLICO de promover investigação é uma estupidez que atenta contra a
sociedade.
É por isso que afirmo, lá no
primeiro parágrafo, que as inciativas fascistoides se assentam em problemas
que, de fato, existem — há abusos mesmo! — e que as propostas estúpidas contam,
muitas vezes, com a ajuda objetiva, ainda que involuntária, daqueles a quem
quer destruir: a cada vez que um procurador não segue o devido processo legal e
vai além das suas sandálias, está pondo uma corda no pescoço do próprio
Ministério Público.
Agora
o STF
Eu já critiquei aqui com azedume
algumas decisões do STF. Acho, sim, que, em muitos casos, o tribunal foi
além do que lhe era cabido decidir, como se uma de suas funções fosse educar a
sociedade. E, lamento, não é, não! Quando a PEC 3, a primeira de Fonteles, foi
aprovada, escrevi aqui um artigo exemplificando
o que entendi, e entendo ainda, como as exorbitâncias do tribunal. Não sou
especialista em direito; não me formei na área, mas sou esforçado. Não se tem
no mundo democrático exemplo de corte suprema que tome uma decisão
contra a letra explícita da Constituição ou que tome a iniciativa de emendar um
código, como o Penal — cuja alteração é prerrogativa do Legislativo.
É preciso fazer muita ginástica
hermenêutica para considerar, por exemplo, que a união civil homossexual está
contemplada na Constituição. Não está. Ao contrário. Eu sou favorável? Sou! E
dai? É preciso que uma PEC altere o Artigo 226 da Carta, que define a dita-cuja
como aquela celebrada entre “homem e mulher”. A lei define os casos de aborto
legal — e lá não consta o de anencéfalos. Não obstante, o STF legislou e
decidiu que ele também é legal. A instituição de cotas raciais é, entendo,
escandalosamente inconstitucional. O argumento, que prevaleceu (de Ricardo
Lewandowski). segundo o qual que ela atende ao fundamento da igualdade
material, nem sempre condizente com a igualdade formal, abre as portas para
qualquer coisa. Não vou repetir argumentos. Estão todos no texto cujo link vai
acima. Os tribunais superiores se excederam, a meu ver, ao tomar decisões sobre
coligações partidárias, marcha da maconha (o país tem um Código Penal; se é
ruim, tem de ser mudado), uso do Twitter por políticos, além dos casos já
citados.
Não
retiro, reitero
Não retiro uma só crítica que fiz no
passado aos exageros dos tribunais superiores e mantenho as que fiz ao
Ministério Público. Eu as reitero. Assim, posso, com ainda mais clareza,
declarar o conteúdo absurdo, escandaloso, da PEC 33. Assim posso, infelizmente,
lembrar que, há muito tempo, venho chamando a atenção para o fato de que esse
protagonismo exagerado acabaria abrindo as portas para o oportunismo e para a
vigarice. E, como sempre, oportunistas e vigaristas se aproveitam do justo
descontentamento de muitos para promover… vigarices e oportunismos!!!
É claro que os petistas estão
tentando se vingar do Supremo. É claro que os “companheiros” não estão apenas
descontentes com o protagonismo do Supremo ou com o “ativismo judicial”. Há
mais do que isso: não querem é um tribunal que ponha limites a suas ações —
muitas delas criminosas, como atesta o mensalão.
Mas não é menos evidente que a
emenda vigarista é lançada num terreno fértil de descontentamentos, minado por
decisões que foram muito além do razoável. Em muitos casos, e isso esteve
presente nas falas, os ministros se colocaram como faróis da sociedade, como se
lhe coubesse a tarefa iluminista de tirar a população das trevas. É uma má
escolha. É um mau caminho. Eles também estão lá, ainda que de forma indireta,
por delegação dessa sociedade. Se a Constituição define que todos são iguais
perante a lei, iguais serão — e me parece inaceitável que se decida, então, em
nome da “igualdade material”, agredir a “igualdade formal”. Até porque é essa
“formalidade” que deve ser o conceito a orientar a materialidade. Se a
Constituição define a união civil — que é um pacto social, não um direito
natural — como aquela entre homem e mulher, assim tem de ser enquanto esse for
o texto. Texto que, a meu ver, tem de ser mudado. Mas não é tarefa do Supremo.
Enquanto o Congresso não votar um Código Penal que não estabeleça as novas
possibilidades do aborto, não vejo como deva ser o Supremo a redigir uma nova
lei.
Aliados
O deputado petista sabe que vai contar,
por exemplo, com o apoio de muitos parlamentares evangélicos e católicos,
descontentes com as decisões do Supremo, ainda que por razões diversas das do
petismo.
Um leitor atrapalhado poderia
dizer: “O Reinaldo, na verdade, é meio favorável à PEC…” Não sou, não! Reitero!
Nem os bolivarianos chegaram a tal absurdo! Nem a Louca de Buenos Aires,
Cristina Kirchner, decidiu ir tão longe. O meu ponto é outro. Eu sempre me
preocupo quando as instituições abrem janelas e portas para o assalto dos
oportunistas. E acho, sim, que o Ministério Público fez isso. E acho, sim, que
o STF, em muitas oportunidades, fez isso.
Querem
ver?
A Constituição e as leis não podem
conviver com arranjos. Daqui a alguns dias, veremos, tudo indica, o Supremo a
admitir embargos infringentes no caso dos mensaleiros com base num dispositivo
presente em seu Regimento Interno. Uma lei de 1990 não prevê esse expediente. É
simples assim. Leis podem mais que regimentos internos. Os crimes e o
julgamento são posteriores a 1990. Se existe o texto legal que disciplina o
ação penal no STF, que sentido faz ignorá-lo?
Mandado
de Segurança Preventivo
Essa PEC 33 tem de morrer. E já! Que
lideranças da oposição tenham a clareza de recorrer ao próprio STF com um
Mandado de Segurança Preventivo contra essa estrovenga. Os defensores dessa PEC
não estão querendo uma STF melhor, mas um STF de mãos atadas, assim como os
defensores da PEC 37 não querem um Ministério Público mais disciplinado, mas um
Ministério Público manietado. Reconhecê-lo, no entanto, não me impede de
apontar exorbitâncias que pedem correção.
Os países entram numa espiral
negativa quando começam a encontrar respostas erradas para problemas que, com
efeito, existem. E poucos fazem isso com tanta determinação como as
“otoridades” de Banânia.
Com
informação de Laryssa Borges
Por Reinaldo Azevedo