quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Copa: ministério adultera documento e encarece obra

O escândalo do Ministério do Trabalho ainda nem esfriou e já surgiu outro, dessa vez na pasta das Cidades. 

Envolve um projeto da Copa Mundo, em Cuiaba (MT), uma das cidades que sediará jogos de futebol da competição. Deve-se a revelação da nova encrenca ao repórter Leandro Colon. Chefiada pelo ministro Mário Negromonte (PP), a pasta das Cidades acertara com o governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB), uma obra de infraestrutura. Acertara-se a construção de uma linha rápida de ônibus (BRT) na capital matogrossense. Coisa de R$ 500 milhões. Parte da União, parte do Estado. O projeto foi incluído no rol de obras destinadas a melhorar o sistema de mobilidade nos aglomerados urbanos incluídos no calendário da Copa. Súbito, o governador Silval decidiu trocar a via expressa de ônibus por algo mais moderno: um Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT). Convocado a analisar a demanda, o analista técnico Higor Guerra produziu um parecer contrário. Tem 16 laudas. Datado de 8 de agosto, levou o número 123/2011. Na peça, o técnico Higor, que representava o ministério nas reuniões realizadas em Cuiabá, apontou uma discrepância de custo. O VLT custaria R$ 1,2 bilhão, R$ 700 milhões mais caro que o BRT. Higor mencionou também a exiguidade de prazo e a ausência de estudos comparativos. 

O governador Silval não se deu por achado. Insistiu. Mexe daqui, remexe dali surgiu no processo que trata da parceria um novo documento. A quantidade de páginas é a mesma: 16. O número é identico: 123/2011. Mas o conteúdo é diametralmente oposto. No novo parecer, o Ministério das Cidades aceita a troca da linha de ônibus pelo veículo de trilhos. Com isso, a obra foi a R$ 1,2 bilhão. No dia 6 de outubro, o técnico Higor foi procurado por Luiza Gomide Vianna, diretora de Mobilidade Urbana das Cidades. Luiza pediu a Higor que assinasse o parecer que desdiz o documento anterior. O técnico refugou a ordem. Há duas semanas, pediu desligamento de suas funções. Na última segunda-feira (21), Luiza, a diretora de Mobilidade, conduziu uma reunião a portas fechadas. O encontro foi gravado. O repórter ouviu o audio. A certa altura, Luiza dirige-se aos assessores assim: "Nota técnica de ninguém aqui é como música, não tem direito autoral. Nosso trabalho é para o governo, a nota técnica de vocês é para o governo." Noutro trecho, Luiza declara que Cássio Ramos Peixoto, chefe de gabinete do ministro Negromonte, foi quem pediu para "rever" a nota técnica contrária à troca de projetos. "A gente ficou numa situação sem saída", ela diz. Nas palavras de Luiza, Cássio considerou que o técnico Higor produzira uma "análise dura". Ela mencionou um outro personagem: Guilherme Ramalho. Guilherme é coordenador-geral de Infraestrutura da Copa do Ministério do Planejamento. Também ele achou “dura” a avaliação de Higor. Ficou entendido na reunião que o governador Silval obtivera o aval do Palácio do Planalto para alterar o projeto. E Luiza: "Qualquer decisão tomada no governo, a gente faz parte dessa decisão."

Procurado pelo repórter, o Ministério das Cidades manifestou-se por meio de nota. No texto, diz que o processo seguiu o “rito” e que a “opinião divergente” foi “refutada tecnicamente no momento da conclusão da análise.” Absteve-se de explicar o porquê da troca sorrateira de pareceres que deu à normalidade uma aparência anormal. Ouvido, o governador Silval declarou: “Temos que tentar implantar um transporte de massa que seja moderno e atenda ao futuro. O do BRT já nasce saturado. O VLT é um dos mais modernos do mundo.” Ele diz ter “100% de certeza” de que a coisa ficará pronta antes da Copa.