Presidente
do STF, Joaquim Barbosa ateou revolta nos meios políticos ao afirmar, há cinco
dias, que o Brasil tem “partidos de mentirinha” e um Congresso “inteiramente
dominado pelo Poder Executivo.” Indicado por Dilma Rousseff para ocupar uma
cadeira no Supremo, o advogado Luís Roberto Barroso, disse coisa muito pior
numaentrevista concedida há sete meses à repórter Andrea Michael.
Para Barroso, “a classe política vive
em um mundo à parte, de poder e de interesses pessoais.” As alianças
partidárias são feitas “sem base ideológica”. O eleitor “vota em candidatos e
não em partidos”, num “modelo que está na raiz de boa parte dos problemas
políticos brasileiros, inclusive os de corrupção e fisiologismo.”
O novo ministro será sabatinado no
Senado nos próximos dias. Depois, assumirá a vaga aberta com a aposentadoria de
Carlos Ayres Britto. Chegará em tempo de participar do julgamento dos recursos
protocolados no STF pelos 25 condenados no julgamento do mensalão. Na
entrevista de outubro do ano passado, Barroso disse: “Minha maior preocupação é
com o pós-mensalão.” Ele indagou: “O que o Brasil vai extrair de positivo desse
momento ruim para a política?”
Na opinião de Barrroso, manifestada
numa fase em que o julgamento ainda não havia encerrado, “mais do que a
condenação de pessoas, o processo do mensalão constitui a condenação de um
modelo político que não vem de ontem.” Nos últimos 20 anos, disse ele, o Brasil
avançou muito. Sob FHC, “conquistamos a estabilidade monetária, que foi um
divisor de águas.” Sob Lula, avançou-se na área social, “com a ascensão de
milhões de pessoas acima da linha da pobreza.”
A despeito de ter “muito a celebrar”,
afirmou o novo ministro, o Brasil também tem o que lamentar. “Nem FHC nem Lula
tentaram mudar o modo de fazer política no Brasil.” Como assim? “Para
implementar sua agenda política, eles aderiram a esse modelo” viciado. No dizer
de Barroso, é preciso “romper com essa tradição”. Uma tradição “que promoveu
duas consequências negativas drásticas.”
Uma consequência nefasta “é o
decolamento entre a classe política e a sociedade civil, que não se sente
identificada com sua representação parlamentar.” A outra é a “criminalização da
política.” Afora a “baixa representatividade” dos políticos, disse Barroso,
“vivemos um momento em que as notícias são sobre o mensalão mineiro, o mensalão
do DEM, o do PT, sempre flagrando casos de corrupção.”
Nessa matéria, Barroso não tem
dúvidas: “Há um problema no sistema e, se não enfrentarmos isso, ficaremos
sempre à espera do próximo escândalo.” Tomado pelas palavras, o novo ministro
enxerga no Legislativo brasileiro uma instituição débil. “Tem-se falado que
vivemos um momento de excesso de interferência e de atuação do Judiciário em
instâncias antes dominadas pelo mundo político. A meu ver, vivemos um momento
de escassez da boa política.”
Barbosa acredita que a solução da
encrenca depende do empenho do inquilino do Palácio do Planalto. “Alguém
precisa ter coragem e desprendimento para comprar essa briga.” Ele avalia que
Dilma Rousseff “poderia ter condições de fazê-lo”. Porém, já desperdiçou a sua
primeira hora. Agora, só “no início do próximo mandato.” Por quê? “Digo isso
porque no início do mandato é que se tem o maior capital político.”
Do modo como está estruturado,
afirmou Barroso, o modelo político brasileiro leva “pessoas de bem, que querem
mudar o país”, a “negociar votos [ no Congresso] com aqueles que usam a
política para fazer negócios particulares.” O agora ministro do STF acrescentou
na entrevista de outubro que o país convive com um sistema político que “joga
bons e maus no mesmo pântano.”
O custo das eleições, realçou o
ministro indicado, “faz com que ninguém possa ter um projeto político sem um
farto financiamento eleitoral. E é aí que o Brasil formal e honesto se aproxima
do submundo em que há dinheiro de todas as origens.” De resto, “o sistema
eleitoral não contribui para a governabilidade”.
Por que não? Como o presidente eleito
sai das urnas sem maioria no Congresso, “o sistema eleitoral e o sistema
partidário exigem que, depois da eleição, o ele precise compor essa maioria.”
Uma maioria “que não vem do voto, mas da negociação caso a caso.” É quando “se
misturam as negociações legítimas com fisiologismo, liberação de verbas e
nomeações para cargos públicos que são providos sem concurso no Brasil.”
Evocando o mensalão, Barroso disse
que enxerga no julgamento do caso “uma grande denúncia do modelo
político-eleitoral brasileiro.” Usou uma metáfora forte: “É um grito por
reformas.” Ou são feitas as mudanças ou “não há como entrar para a política sem
pactuar com esse modelo baseado no dinheiro.”
Perguntou-se a Barreto o que mudou no
entendimento do STF ao longo do julgamento do mensalão. E ele: “O Supremo, que
sempre teve uma posição bem liberal e em defesa do acusado, principalmente do
princípio de presunção da inocência, revela uma guinada um pouco mais dura e
punitiva, superando, inclusive, alguns precedentes, como no entendimento de que
não é mais necessário um documento assinado pelo acusado ou um ato oficial dele
para que o crime de corrupção seja configurado.”
Prosseguiu: “Minha avaliação é que
houve certo endurecimento do STF, talvez como resultado de uma interação com a
sociedade. Não acho justa a afirmação de que o Supremo seja pautado pela
sociedade, mas ele é permeável aos seus anseios. Há uma mudança de postura. Se
isso vai ser bom ou mau, o tempo dirá.”
O tribunal foi técnico ou político?
“É impossível um julgamento desse porte, com essas consequências, não ter uma
dimensão política”, respondeu Barroso. “Mas os votos têm sido técnicos. No
direito em geral, existem extremos em que há a certeza positiva, a significar
que algo aconteceu, e há extremos em que há certezas negativas, quando é
possível afirmar que algo nao aconteceu.”
Nesse contexto, filosofou o indicado
de Dilma, “para o bem e para o mal, entre um extremo e outro, existem muitas
possibilidades. E aí as interpretações dependerão da visão de cada um.” O país
está ávido por conhecer a interpretação que Barroso dará aos recursos dos
condenados do mensalão.