sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Antessala de Cardozo virou casa da Mãe Joana


Não é preciso muito esforço para perceber que a “obrigação” que o ministro José Eduardo Cardoso tem de receber advogados transformou a antessala do seu gabinete numa espécie de sucursal da casa da Mãe Joana.
Graças às artimanhas da veneranda senhora, o doutor Sérgio Renault, advogado do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e coordenador do bilionário cartel de propinas da Petrobras, materializou-se na sala de espera do titular da pasta da Justiça.
O doutor não tinha nada a tratar com o ministro. Em verdade, estava a caminho de um restaurante. Dividiria a mesa com outro advogado, o ex-deputado federal petista Sigmaringa Seixas. Que esteva no gabinete de Cardozo. Ele, sim, tinha assuntos a resolver com o ministro. Coisa “pessoal”, explicou o ministro. Nada a ver com a Lava Jato.
Sigmaringa poderia ter sugerido a Renault que o aguardasse na mesa da casa de repastos onde dividiriam o feijão com arroz. Mas, por alguma insondável razão, sugeriu que o encontrasse na antessala de Cardozo. O ministro levou Sigmaringa até a porta. E trocou um dedo de prosa com Renault. Coisa de três minutos, disse Cardozo. Nada a ver com Ricardo Pessoa, o cliente de Renault. Que dorme no colchonete da PF desde novembro de 2014.
Diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, avalia que o episódio pede a realização de um teste: “Sugiro a qualquer pessoa que combine encontrar-se com algum amigo no mesmo lugar [a antessala do ministro]. E, para isso, se apresente à portaria do Ministério da Justiça e informe sua intenção aos recepcionistas.”
Cético compulsivo, Abramo oferece “uma lavagem de carro grátis no posto de gasolina do Yousseff a quem conseguir entrar no elevador.” Na dúvida, dá um conselho a Cardozo: “Se encontros podem ser marcados ali, sugiro que o ministro da Justiça anuncie publicamente no Diário Oficial que coloca sua antessala à disposição do público para encontros de qualquer natureza, não se olvidando dos fortuitos —como um motel, uma sauna, uma balada.”
Sob pressão de familiares, Ricardo Pessoa negociava um acordo de delação premiada com os procuradores que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato. Autoproclamado amigo de Lula, o empreiteiro queixava-se de abandono. Generoso provedor das arcas eleitorais do PT, ameaçava chutar o balde. De repente, deu meia-volta. O ministro Cardozo, naturalmente, não tem nada a ver com isso.
Cardozo reconheceu ter recebido defensores da Odebrecht, outra empreiteira investigada na Lava Jato. Deu-se no dia 5 de fevereiro. “Está na agenda”, disse o ministro. Meia-verdade.
Estiveram no ministério três advogados: Dora Cavalcanti, Pedro Estevam Serrano e Maurício Roberto Ferro —este último é vice-presidente jurídico da Odebrecht. Foram tratar de assuntos relacionados à Lava Jato.
Na versão oficial, queixaram-se de “vazamentos” de dados sigilosos sob a guarda da PF. E reclamaram da ação do DRCI, órgão da pasta da Justiça responsável pela recuperação de dinheiro sujo enviado ao exterior. Ou à Suíça, no caso sob investigação da força-tarefa da Lava Jato.
A agenda do ministro, de fato, anotava os nomes dos visitantes. Mas não dizia que eram advogados. Tampouco mencionava que representavam a Odebrecht. Anotava: “Audiência  com os senhores Pedro Estevam Serrano, Maurício Roberto Ferro, Dora Cavalcanti e com a participação do Secretário Executivo do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.”
No campo destinado ao detalhamento da “pauta” do encontro, não havia vestígio de Lava Jato. Ali, escreveu-se: “Visita institucional”. Por quê? Cardozo alega que, ao formalizar o pedido de audiência, um dos advogados da Odebrecht, Pedro Serrano, sugeriu que o encontro fosse tratado como coisa “institucional”.
Sabia-se que a agenda de Cardozo por vezes permanecera em segredo. “Falhas técnicas”, o ministro já havia explicado. Descobre-se agora que, nas ocasiões em veio à luz, a peça ostentava a transparência de um cristal Cica. Expansiva a mais não poder, Mãe Joana já não se contenta em dar expediente apenas na antessala do ministro.

 Por Josias de Souza

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Advogado não é garoto de programa para marcar encontro. Ou: A diferença entre prerrogativa e lambança

Advogado não é nem garota nem garoto de programa. É claro que pode se encontrar com o ministro da Justiça. Pode se encontrar com quem quiser. Os profissionais dessa área sabem que estou entre os maiores defensores de suas prerrogativas. O direito de defesa pleno é um apanágio da democracia. E, por óbvio, serve muito especialmente a quem cometeu crimes. Atenção! No dia em que os acusados, culpados ou não, não puderem se defender, todos teremos perdido uma prerrogativa importante e seremos, por óbvio, culpados daquilo que o estado decidir que somos. Assim, vivam os advogados!

Dito isso, sigamos. Os encontros, no entanto, têm de ser transparentes, sim. Foi o que afirmou nesta quarta o presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, de quem costumo divergir, diga-se. Não desta vez. Leiam trecho dereportagem da Folha. Volto em seguida.
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O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinícius Furtado Coêlho, defendeu nesta quarta-feira (18) os “direitos e prerrogativas” de advogados serem recebidos pelo ministro da Justiça, mas ponderou que a audiência precisa ser “transparente” e “pública”.

Nos últimos dias, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) tem sido alvo de críticas por ter se encontrado com advogados de empreiteiras sob investigação da Operação Lava Jato, que apura o escândalo de desvio de dinheiro em contratos da Petrobras.

“Não pode ser uma seleção deste ou daquele advogado. Tem que ser realmente uma questão aberta, impessoal, independente do caso que isso envolver”, afirmou Furtado após participar da abertura da campanha da Fraternidade deste ano, na manhã desta quarta-feira (18).

“Assim como os médicos, quando têm problemas, procuram o ministro da Saúde e a área cultural procura o ministro da Cultura, é natural que um advogado procure o ministro da Justiça se tiver queixas a apresentar. (…) Assim como ele vai procurar o ministro do Supremo se a queixa for contra o que estiver sendo feito pelo Supremo”, completou.
(…)

Retomo

Muito bem! A crítica do ex-ministro Joaquim Barbosa aos advogados, como quase sempre, peca pelo exagero e pela imprecisão. Numa coisa, reitero, ele está certo: José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, tem de ser demitido.  Adiante.

O que queria Sérgio Renault, advogado da UTC, com Cardozo? Qual era a pauta? Ele foi reclamar de alguma ilegalidade cometida pela PF? De algum abuso de autoridade? De algum comportamento irregular? Não que se saiba. Pagamos o salário do ministro. Ele exerce uma função pública. De natureza pública também é o processo contra o cliente de Renault. A verdade tem de ser dita.

Tanto pior quando ficamos sabendo, como revelou reportagem da VEJA, que Cardozo garantiu a seu interlocutor que a temperatura da Lava-Jato vai baixar porque, depois do Carnaval, a oposição também estará enrolada. Tanto pior se, na conversa, dá-se a garantia de que Lula vai entrar na parada para ajudar as empresas, como se tudo não passasse de um negócio entre privados.

Não, senhores! Um advogado ser recebido é, parece-me, parte das práticas corriqueiras no Estado de Direito. Para combinar com o ministro, no entanto, a linha de defesa de um acusado, aí não! Especialmente quando esse acusado já deixou claro que está com muita dinamite amarrada à volta da cintura e pode levar o Palácio do Planalto para os ares.


Por Reinaldo Azevedo

Saia daí, Cardozo! PF é polícia judiciária; o senhor não tem nada com isso! Ou: Advogados podem fazer o que a lei não proíbe; ministro, só o que a lei permite

Vamos botar um pouco de ordem na orgia, como diria o Marquês — o de Sade, não o de Rabicó, que nunca foi um dos Três Porquinhos. É claro que advogados, quaisquer advogados, têm o direito de falar com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ou outro. Se a República souber qual é a pauta, então, tanto melhor, não é?, já que paga o salário do ministro e todos os custos diretos e indiretos que a função enseja. Mas digamos que um advogado vá conversar com Cardozo para cuidar de uma crise existencial, para debater as últimas descobertas da medicina, para discutir se o país precisa tomar antidepressivo, ansiolítico ou um regulador de humor… Pode não ser nada disso. Selo! Isto! Vai que um ministro seja um filatelista. Fico cá imaginando as sinuosidades desse saber… Talvez seja um mundo fascinante, à espera da nossa entrega dedicada.

O que não pode — e aí não pode mesmo! — é o ministro da Justiça receber advogados de réus para debater o encaminhamento de uma ação que corre por escaninhos alheios — até onde sabe — à intervenção da autoridade em questão. A menos que os poderes tentaculares e eventualmente extraoficiais e extracurriculares do ministro consigam operar prodígios na Polícia Federal e no Ministério Público Federal.

Cardozo e alguns doutores estão tentando, vamos dizer, reagir além do razoável à retórica sempre exacerbada de Joaquim Barbosa e criar uma reação corporativa de advogados, como se alguém estivesse querendo cercear o direito de defesa. Uma ova! O fato é que VEJA informou o conteúdo de uma conversa entre Cardozo, Sérgio Renault — um dos advogados da UTC — e o petista Sigmaringa Seixas, que estava presente, até onde se sabe, porque petista e também amigo de Lula; não consta que alguém o tenha constituído como causídico. E os assuntos tratados na conversa são graves. Cardozo informou que a oposição se enrola na Lava Jato depois do Carnaval, e todos trataram da conveniência de Lula entrar na parada. Com que poder? Com que propósito? Eis o busílis.

Vamos, então, botar ordem nas coisas. A PF é uma polícia judiciária; atua sob o comando da Justiça. A sua subordinação ao ministro é meramente administrativa. Se irregularidades ou arbitrariedades estão sendo cometidas, isso é assunto para o Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, não para Cardozo. Ou será que o ministro é capaz de me dizer o que ele tem a ver com o peixe e os peixões? Se, por qualquer razão, o TRF ignorar reclamações de transgressões óbvias, o caminho é o Conselho Nacional de Justiça. Cardozo é só um atalho que conduz ao achincalhe do Estado de Direito.

O juiz Sérgio Moro se pronunciou a respeito. Escreveu: “Existe o campo próprio da Justiça e o campo próprio da política. Devem ser como óleo e água e jamais se misturarem. A prisão cautelar dos dirigentes das empreiteiras deve ser discutida, nos autos, perante as Cortes de Justiça. Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”.

Nesta página, sempre se fala tudo, sem receio de a quem incomodar. Sim, acho as tais reuniões intoleráveis, mas nada há de intolerável em que um defensor busque os recursos que estiverem a seu alcance — desde que não saia cometendo crimes por aí. Incomoda-me, na reação de Moro, que toda a carga negativa se volte contra os acusados e seus defensores. Ora, quem cometeu a, como direi?, transgressão funcional foi Cardozo. É ele a autoridade. Quem não deve se entregar a certos desfrutes, convenham, é o senhor ministro. Os advogados PODEM FAZER TUDO O QUE A LEI NÃO PROÍBE, e a lei não proíbe que falem com ministros. Já CARDOZO PODE FAZER SÓ O QUE A LEI PERMITE. E eu quero saber onde está escrito que lhe é permitido manter conversas como aquela.

O PSDB decidiu abrir três frentes para tentar levar Cardozo a se explicar no Congresso. O partido pedir a sua convocação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na CPI da Petrobras na Câmara e na eventual CPI Mista. Ainda a ser criada. O PPS, por sua vez, entrou com um requerimento para que a Comissão de Ética Pública da Presidência examine o comportamento do ministro. É o mínimo.

Para encerrar

Já deixei claro aqui o que penso. Acho uma desnecessidade, manter, a esta altura, a prisão preventiva dos réus. Os motivos previstos no Artigo 312 do Código de Processo Penal já não se aplicam mais. Não estou interessado em cortar cabeças, em demonizar pessoas, em ser justiceiro. Eu defendo que os presos passem a responder em liberdade justamente porque acho que será a melhor aplicação do Estado de Direito.

E, por isso também, cobro a demissão sumária de José Eduardo Cardozo. É evidente que este senhor perdeu a condição de ser ministro da Justiça. Para ser coerente com a minha própria análise histórica, corrijo o que acabei de escrever: ele nunca teve condição de ser ministro da Justiça. Não me parece que seja compatível com o cargo quem mereceu o carinhosa alcunha de um dos “Três Porquinhos” da então candidata Dilma, em 2010. Melhor seria convidar para o cargo, então, o Marquês — o de Rabicó, para ficar na espécie, não o de Sade.


Por Reinaldo Azevedo

STF autoriza o mensaleiro João Paulo Cunha a cumprir pena em casa

Por Laryssa Borges, na VEJA.com:

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou nesta quarta-feira que o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) termine de cumprir a pena de seis anos e quatro meses em casa. A decisão do ministro ocorreu depois de o mensaleiro petista ter comprovado o pagamento de 536.440,55 reais – valor desviado dos cofres públicos pelo ex-deputado.

Cunha foi condenado no julgamento do mensalão a seis anos e quatro meses de prisão em regime semiaberto pelos crimes de lavagem de dinheiro e peculato e não havia conseguido progredir de regime, mesmo já tendo cumprido o mínimo de um sexto da pena, porque não havia devolvido o dinheiro desviado. Em dezembro, o Plenário do STF havia condicionado a mudança para o regime aberto à comprovação do pagamento, o que foi feito apenas em fevereiro.

No julgamento, o ministro Barroso defendeu a tese que a progressão de regime só poderia ser autorizada com a reparação aos cofres públicos e afirmou que a exigência de reparo ao erário é o principal mecanismo para coibir crimes de colarinho branco. Ele rejeitou a tese de que João Paulo Cunha não teria condições de pagar os mais de 500.000 reais e desqualificou a estratégia da defesa de apresentar declarações de Imposto de Renda como forma de comprovar a suposta insolvência do mensaleiro. “A regra geral é a de ‘quem se apropriou tem que devolver o dinheiro’. É de se presumir que o dinheiro apropriado continua no patrimônio do peculatário, que não coloca na conta bancária nem na declaração de Imposto de Renda”, disse.

“Em matéria de crimes contra a administração pública e de colarinho branco, a parte verdadeiramente severa a ser cumprida com rigor é a de natureza pecuniária, que tem o poder de funcionar como o real fator de prevenção capaz de prevenir a prática de crimes que envolvam a apropriação de recursos públicos”, completou ele. Seguindo o voto de Barroso, os ministros também afastaram na época a interpretação de que a exigência do pagamento equivaleria a submeter João Paulo Cunha a uma “prisão por dívida”.


Por Reinaldo Azevedo

Impeachment de Dilma – O golpe da legitimidade

Na comemoração dos seus 94 anos, a Folha convidou seus colunistas para responder a determinadas questões polêmicas — desde, claro, que quisessem. Respondi “sim” à seguinte pergunta: “A presidente Dilma deve sofrer ação de impeachment em decorrência do escândalo da Petrobras?”. Seguem trechos do artigo. Nota: minha coluna de amanhã será publicada normalmente, no espaço de sempre.
*
É uma pena que a gente não possa fazer a Terra girar no sentido anti-horário, como aquele jornalista fortão do “Planeta Diário”, para voltar ao passado e impichar Lula, o Pai de Todos. Então é preciso fazer valer a lei na vigência do mandato daquela que foi vendida e comprada como a “mãe” do Brasil. Para quem é incapaz de entender uma tese embutida numa narrativa, esclareço: um processo de impeachment é jurídico sem jamais deixar de ser político.

Não sou eu que enrosco com Dilma. Ela não passa na peneira da Constituição. O mesmo diploma que torna legal e legítimo o seu mandato estabelece, no inciso V do artigo 85, que atentar contra a probidade da administração implica crime de responsabilidade. E aí o primeiranista de direito vai consultar o artigo 9º, inciso III, da lei 1.079, a dita Lei do Impeachment.
(…)
Ela [Dilma] fez as suas escolhas. Fizemos as nossas. Golpe é rasgar a Constituição.


Por Reinaldo Azevedo