quinta-feira, 10 de maio de 2012

Gurgel diz que está sendo atacado porque há gente com “medo do julgamento do mensalão”

Por Laryssa Borges, na VEJA Online:

Acuado por parlamentares governistas, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, atribuiu nesta quarta-feira as críticas que o Ministério Público vem recebendo de integrantes da CPI do Cachoeira ao “medo do julgamento do mensalão” — o maior escândalo do governo Lula, que deve entrar em pauta este ano no Supremo Tribunal Federal (STF). Chefe do Ministério Público, Gurgel será o acusador contra os 38 réus suspeitos de receber propina em troca de apoio político no Congresso Nacional.

Entre integrantes da CPI do Cachoeira, o procurador-geral é pressionado a esclarecer as investigações das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal (PF), e explicar por que demorou cerca de três anos para levar as suspeitas contra o senador Demóstenes Torres (sem partido -GO) ao Supremo. Ao encaminhar suas manifestações à corte, Gurgel considerou haver indícios de que Demóstenes praticou os crimes de corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa.

“Constatou-se que o senador Demóstenes Torres mantém estreitos vínculos com Carlos Cachoeira de natureza pessoal e também de natureza profissional. O conteúdo das conversas revela graves indícios de que o parlamentar valia-se do seu cargo para viabilizar interesses econômicos comuns de Carlos Cachoeira. Os vínculos (…) extrapolam em muito os limites éticos exigíveis na atuação parlamentar, adentrando a seara penal”, disse Gurgel em sua manifestação ao STF.

Denúncia

Nesta quarta, ao responder às críticas da CPI do Cachoeira, o PGR também saiu em defesa de sua estratégia de não denunciar, em um primeiro momento, o senador Demóstenes Torres. Para ele, uma denúncia prematura ao STF poderia não ter dado todos os detalhes do envolvimento do senador no esquema comandado pelo contraventor Carlinhos Cachoeira.

Mesmo com a pressão dos parlamentares da comissão de inquérito, Roberto Gurgel voltou a afirmar que não poderá prestar um eventual depoimento à CPI. O argumento é de que se tiver de explicar à CPI - e, portanto, fora dos autos - detalhes da investigação e a eventual participação de Demóstenes no esquema, por exemplo, seu papel como investigador poderá ficar prejudicado e ele estará impedido de futuramente oferecer denúncia sobre os desdobramentos das operações policiais.

De acordo com Gurgel, sob os mesmos argumentos já utilizados por ele, a subprocuradora-geral da República Cláudia Marques Sampaio também não deve comparecer à CPI para esclarecimentos. No primeiro depoimento da CPI, tomado do delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Maques Souza, parlamentares atribuíram a ela a decisão de paralisar as investigações da operação Vegas, ainda que, para eles, houvesse indícios que pudessem comprometer agentes políticos.

Fala o promotor do caso Celso Daniel: “Quem levava o dinheiro da quadrilha para o partido era o Gilberto Carvalho”

Por Guilherme Balza, no UOL:

O júri de cinco acusados pela morte de Celso Daniel, um dos crimes mais misteriosos da história recente do país, será realizado nesta quinta-feira (10), no Fórum de Itapecerica da Serra (Grande São Paulo). Até agora, o único condenado pela morte do ex-prefeito de Santo André foi Marcos Bispo dos Santos, que pegou 18 anos de prisão após condenação do júri em novembro de 2010.

Agora, serão julgados Elcyd Oliveira Brito, Itamar Messias da Silva Santos, Ivan Rodrigues da Silva, José Edison da Silva e Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira. Todos faziam parte de uma quadrilha da favela Pantanal, na divisa da capital com Diadema. Eles são acusados de homicídio duplamente qualificado e podem ser condenados de 12 a 30 anos de prisão.

O inquérito policial que levou os acusados ao banco dos réus concluiu que a morte do ex-prefeito de Santo André (SP), em 18 de janeiro de 2002, no município de Juquitiba (também na Grande SP) foi um crime comum, resultado de um sequestro mal executado pela quadrilha.

O promotor de Justiça Roberto Wider Filho, que investigou a morte de Daniel, contesta a versão da polícia e afirma que o assassinato do ex-prefeito foi encomendado por uma quadrilha responsável por um esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André, cujo objetivo era levantar recursos para financiar campanhas eleitorais do PT (Partido dos Trabalhadores). Para ele, a investigação policial foi “incompleta” e deixou de apurar as “verdadeiras razões da morte”.

O Gaeco (Grupo de Atenção Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público do ABC sustenta que um dos mandantes do crime é o empresário Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, amigo de Celso Daniel e uma das figuras mais importantes dentro da quadrilha de Santo André -ele deverá ir a júri popular ainda neste ano em um processo diferente, já que responderá por homicídio triplamente qualificado.

Segundo o MP, o grupo arrecadava dinheiro por meio da extorsão de empresas de transporte, coleta de lixo e obras públicas, que eram coagidas a pagar uma “caixinha” todo mês. Só com as empresas de ônibus a quadrilha estaria levantando R$ 100 mil por mês. Mas, a galinha dos ovos de ouro do esquema, diz Wider Filho, eram as empresas que operavam radares de trânsito, com as quais os corruptores arrecadavam até R$ 50 milhões por mês.

Para o Gaeco, a morte do ex-prefeito foi resultado de um “desarranjo” no interior da quadrilha: a tese da promotoria é que Daniel sabia e participava do esquema de corrupção em Santo André, mas decidiu impor limites ao perceber que os desvios tinham também como finalidade engordar as contas pessoais, e não só as do partido.

Por participação no esquema, o MP moveu uma ação civil pública contra Sombra, o então secretário de Serviços Municipais Klinger Luiz de Oliveira, os empresários Ronan Maria Pinto, Luiz Marcondes Júnior e Humberto Tarcísio de Castro. Até hoje eles não foram julgados pelas denúncias.

José Dirceu, na época presidente do PT, e Gilberto Carvalho, então secretário de governo em Santo André e braço direito de Celso Daniel, hoje secretário-geral da Presidência da República, não foram investigados pelo MP por força de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2004, na qual o ex-ministro Nelson Jobim considerou que a promotoria não pode realizar investigações criminais.

Em entrevista ao UOL, Wider Filho falou sobre as investigações da morte de Celso Daniel e conta como funcionava o suposto esquema de corrupção em Santo André.

UOL - Qual a tese do Ministério Público para a morte de Celso Daniel?

Roberto Wider Filho - O que nós apuramos foi a participação do Sérgio Gomes da Silva [o Sombra, amigo de Celso Daniel], que já era apontado em Santo André como o encarregado por um esquema de corrupção e concussão na prefeitura. Identificamos um elo entre esse esquema e a morte do Celso Daniel. O Sérgio foi um dos mandantes da morte em decorrência de um desarranjo no esquema de corrupção. A morte do ex-prefeito foi a mando, não foi um homicídio aleatório, como diz a Polícia Civil. Para a polícia, o sequestro foi aleatório: escolheram qualquer um na rua e por azar pegaram o prefeito. Isso ficou completamente descaracterizado na investigação e na Ação Penal que se seguiu. Verificamos que o Sérgio participou e que o crime foi premeditado.

UOL - Por que, então, a investigação policial concluiu que ocorreu crime comum?

Wider Filho - A apuração policial foi muito útil porque identificou a quadrilha responsável pela morte, que é a da favela Pantanal [na divisa entre São Paulo e Diadema] –são os que vão ser julgados agora. Mas a investigação se encerrou prematuramente. Eles não avançaram na investigação até para verificar se a versão dos integrantes da quadrilha era correta –e não era. Os integrantes da quadrilha disseram que perseguiram o empresário desde o Ceagesp [zona oeste de São Paulo]. Quebramos o sigilo telefônico da quadrilha e verificamos que não houve essa perseguição, que os integrantes ficaram o tempo todo na avenida Dr. Ricardo Jafet [zona sul]. A Polícia Civil sequer analisou o exame necroscópico do prefeito. Um adolescente admitiu ter sido o executor da morte, e foi feita até reconstituição, mas sem que houvesse o exame de corpo de delito. Pedimos o exame do cadáver do prefeito, para confirmar se a versão do adolescente batia com as agressões no corpo do prefeito, e o laudo de exame necroscópico. Havia incoerências grandes. Ouvimos esse adolescente várias vezes, e, no final, ele admitiu que não foi o executor. A polícia aceitou passivamente a confissão dos integrantes da quadrilha. Não se aprofundou nos verdadeiros motivos e razões da morte.

UOL - Como foram as tentativas de reabertura das investigações policiais?

Wider Filho - Nós tentamos contar com o apoio da polícia durante todo o tempo. Fizemos uma investigação preliminar e, logo que essa investigação apontou novos elementos, fomos no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Foi instaurado um inquérito complementar e nomeado um novo delegado, o Luiz Fernando. Começamos a fazer diligências em conjunto, mas o DHPP sempre mostrou uma resistência muito grande. Chegou ao ponto de testemunhas levadas pelo MP serem intimidadas no DHPP. Parece-me que a Polícia Civil insiste na tese de crime comum por uma questão de honra, para provar que a tese deles estava certa. Em nenhum momento dissemos que a investigação estava errada, mas ela foi interrompida antes da obtenção dos resultados mais importantes.

UOL - A investigação do MP detectou o envolvimento de pessoas ligadas ao PT no planejamento da morte de Celso Daniel?

Wider Filho - Identificamos o Sérgio [Sombra] como sendo um dos mandantes. Embora existam indícios da participação de outras pessoas na quadrilha de Santo André, não conseguimos aprofundar as provas e não tivemos elementos para oferecer denúncia contra elas. Se não consegui prova suficiente para oferecer denúncia, não posso imputar nada contra essas pessoas. Seria uma irresponsabilidade minha.

UOL - O senhor acha que essa investigação precisa ser retomada pela polícia?

Wider Filho - Existem algumas questões que podem ser investigadas. Depois da conclusão do inquérito complementar, fizemos outro pedido, tempos depois, para a retomada do caso. Foi indicada a delegada Elisabete Sato, na época do 78º DP (Jardins). Pedimos que fossem feitas nove diligências. Também a doutora Sato, prematuramente, relatou o inquérito –com uma posição surpreendente, cometendo vários erros no relatório, um trabalho que não é do histórico dela– reafirmando a tese do DHPP. Nós acreditamos que houve uma pressão do DHPP para que ela fizesse isso, porque a investigação dela caminhava num rumo bom. Entre outros elementos na investigação dela, colheu-se provas de que dinheiro de corrupção foi encontrado dentro do apartamento do Celso Daniel. Isso era uma prova relevante que demonstrava esse desarranjo no interior da quadrilha.

UOL - Como funcionava o esquema de corrupção em Santo André? Qual a ligação da quadrilha com a morte do ex-prefeito?

Wider Filho - Existia uma quadrilha que fazia arrecadação destinada a financiamento de campanhas eleitorais do PT. Em um determinado momento, Celso Daniel descobre que boa parte desses recursos eram desviados para o enriquecimento pessoal dos integrantes dessa quadrilha. Com isso, ele não concordava. Havia secretários do PT, filiados ao partido, que eram integrantes da quadrilha, mas a investigação para outros integrantes do partido foi cerceada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que impediu que a gente investigasse o José Dirceu, o Gilberto Carvalho e a destinação final desses recursos. Nós não podemos investigar, nem a Polícia Federal, que era a instância competente. Depois eu tentei retomar essa investigação e o ministro Eros Grau, também atendendo a uma reclamação do José Dirceu, impediu. Então a gente nunca conseguiu fazer essa investigação. Portanto, não posso falar nada sobre o que eu não investiguei. Mas existe uma reclamação nossa no STF para investigarmos o José Dirceu que ainda não foi julgada.

UOL - O que foi esse “desarranjo na quadrilha” que o ?

Wider Filho - Quem levava o dinheiro da quadrilha para o partido era o Gilberto Carvalho. Quem arrecadava era o Ronan Maria Pinto [empresário do ramo de transportes e das comunicações] e o Sérgio [Sombra]. De repente, o dinheiro foi parar no próprio apartamento do Celso Daniel, o que demonstra como ele tinha desconfiança do funcionamento daquela quadrilha. Para ele, o dinheiro deveria ter como destinação exclusiva o financiamento de campanha eleitoral. Ele continuou arrecadando, mas o dinheiro não circulava como anteriormente. Essa investigação foi realizada pela Elisabete Sato, e, infelizmente, não teve prosseguimento. Existem outros elementos a serem investigados e aprofundados, inclusive com relação a outros mandantes, mas, fora o cerceamento que houve no Supremo, nós também tivemos problemas com a polícia.

(…)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Não há jeito mesmo! Este é o país onde o crime compensa!

Você acha que deve se convocar um governador só porque foi a Paris? Tem gravações dele com Cachoeira? Também não há nada contra o Cavendish.

Deputado Candido Vaccarezza (PT-SP), que é contra a convocação de Sérgio Cabral e do dono da Delta para irem depor na CPI do Cachoeira.

E São Paulo elegeu um deputadozinho destes... O governador foi a Paris, tem relações suspeitas e, só porque é amigo do deputadozinho, é do PMDB, vai ser blindado.

Depois perguntam porque este país não dá certo: com esta cambada que aí está, não tem jeito mesmo. 

Demóstenes, Fux e a exigência de salvar mensaleiros para ser ministro do Supremo. Será verdade?

Está mais do que evidente que a conversa de Carlinhos Cachoeira com seus operadores era marcada por megalomania, “bravatas” e “conversa fiada”, para usar duas expressões do ministro Luiz Fux, do Supremo. Parecia haver ali certa competição para demonstrar influência. Mais um pouco, e o contraventor diria exercer influência na Casa Branca e no Pentágono: “Esse trem aí a gente vê lá com o Obama, com aquela moça lá que nasceu em Anápolis. O Dadá vai ligar pra CIA…” Também o senador Demóstenes Torres gosta de provar a sua desenvoltura e capacidade de mexer os pauzinhos, de marcar reuniões com este e com aquele, pouco importa se do governo ou da oposição… Já expus aqui como, em maio do ano passado, depois que VEJA publicou a reportagem sobre a Delta, ele entrou em ação: na aparência, para investigar tudo; na prática, para não investigar nada. Em conversa com o bicheiro, chega a se orgulhar de sua ação bem-sucedida. Para todos os efeitos, cobrou que o Senado apurasse a denúncia feita pela revista; de fato, comemora a pouca repercussão. Todos ali alimentavam certa fantasia de “donos do mundo”, jactando-se do talento para enganar todo mundo o tempo todo.

É nesse cotexto, pois, que Demóstenes diz a Carlinhos Cachoeira, como revelam Fernando Mello, Breno Costa e Leandro Colon, na Folha de hoje, que Demóstenes diz a Cachoeira que um amigo seu fora convidado para integrar o Supremo. Teria rejeitado a oferta porque o governo Dilma impunha duas condições: que votasse a favor do Ficha Limpa e que absolvesse os mensaleiros. O convidado teria recusado, então, a proposta, aceita, sustenta Demóstenes, por Luiz Fux, que já teria cumprido a primeira parte do acordo. Restaria entregar a segunda: livrar a cara do “chefe da quadrilha” e dos quadrilheiros. Já entro no mérito. Mais alguns detalhes dessa hipótese, que não está só na boca de Demóstenes, como sabem Brasília e todo o mundo político.

Sendo verdadeira a pressão, Rosa Weber teria sido escolhida sob as mesmas condições. E não é segredo pra ninguém que Lula e José Dirceu se articularam para adiar para 2013 o julgamento do mensalão. Caso alcancem seu objetivo, mais dois ministros deixam o Supremo: Cezar Peluso, em setembro, e Ayres Britto, em novembro. O PT, de modo fundado ou não, dá como certo que Peluso votará contra os interesses da “quadrilha”. E tem dúvidas sobre o voto de Ayres Britto. Embora, em linhas gerais, o ministro seja afinado com valores mais à esquerda, também se mostra sensível ao chamado “sentimento da sociedade”… E boa parte da sociedade quer mensaleiros na cadeia porque já se cansou desses vigaristas.

Existirá mesmo esse “amigo” de Demóstenes? Terá sido o convite feito nessas condições? Estaria impondo o governo condições para nomear ministros, que entrariam no tribunal, então, carregando não um notório saber — ou mesmo um perfil ideológico, o que é legítimo —, mas uma sentença? Seria coisa de uma gravidade formidável, próxima do crime de responsabilidade. A votação dessa coisa juridicamente amalucada chamada “Ficha Limpa” (qualquer advogado minimamente informado sabe que se trata de uma inconstitucionalidade; se é bem-intencionada ou não, isso é outra história) jogou o STF num grande nó. Expus os detalhes do rolo aqui no dia 14 de dezembro do ano passado. O voto de Fux foi, para dizer pouco, errático.

Estou endossando a suspeita contra ele? Não! Estou só lidando com matéria de fato. Em tese, custo a acreditar que alguém se preste a tal jogo, embora os dias recentes nos demonstrem, para usar uma metáfora frequente de leitores, que os Poderes da República estão cheios de “Carminhas” — referência à megera da novela das 21h —, com a sua falsa santidade e suas falsas convicções.

Vamos ver: cedo ou tarde, o julgamento do mensalão virá. É bobagem, obviamente, essa história de que só é legítimo votar pela condenação dos mensaleiros. Fosse assim, julgamento pra quê? Os fatos são sobejamente conhecidos. Vamos ver como cada ministro justificará o seu voto. Fux, obviamente, nega que tenha sido indicado nessas circunstâncias e caracteriza os diálogos como “bravatas” e “conversa fiada” de Cachoeira e sua turma, o que também é verdade.

De tudo, o que se tem como certo — aí, sim, sem sombra de dúvidas — é que Lula e Dirceu querem adiar o julgamento para 2013, quando Peluso e Britto já não estiverem mais na corte. Se dois ministros ainda desconhecidos se lhes afiguram mais seguros do que os dois ministros conhecidos, boa a intenção não é, certo?

Por Reinaldo Azevedo

Palavras

O tempo ensina muita coisa. Uma das mais importantes parece ser apreciar e dar valor às coisas simples da vida. Eu, por exemplo, gosto de palavras. Para mim, poucos prazeres se comparam a ler um bom livro, diante de uma xícara de café.

Ler um bom livro é a possibilidade de sonhar e imaginar significados para palavras. É viajar e conhecer sem sair do lugar. É aproveitar tudo aquilo que as palavras têm a oferecer.

Palavras têm vida própria. Uma vez ditas, as palavras pertencem aos ouvintes (ou leitores). Estes, por sua vez, interpretam as palavras baseados em suas próprias percepções e experiências. Como camaleões, palavras têm diferentes significados dependendo do tempo e contexto em que são usadas.

Por isso, aquilo que é entendido por quem as lê ou ouve, dificilmente corresponde exatamente ao que pretendia aquele que as disse ou escreveu. Neste sentido, palavras são, na melhor das hipóteses, mensageiros imperfeitos de pensamentos e sentimentos. A diferença entre a intenção de quem disse (ou escreveu) e interpretação de quem ouviu (ou leu) está na raiz de boa parte dos conflitos.

Nas ultimas décadas, tem crescido a percepção de que os indivíduos, ao se comunicarem mais eficientemente, são capazes de resolver suas diferenças pacifica e rapidamente. Nesses casos, a mediação tem sido vista como uma das formas mais eficientes de resolução de disputas.

Mediação é a tentativa de melhorar a eficiência do uso da palavra como mensageira das ideias e sentimentos de cada parte envolvida na disputa. Na mediação, as partes envolvidas na disputa devem, ao mesmo tempo, assumir a responsabilidade da busca por uma solução; e estar dispostas a compreender as motivações das outras partes.

O papel do mediador é ajudar a esclarecer, através de perguntas, as verdadeiras origens do desentendimento: os interesses de cada parte. O mediador separa o problema das pessoas de sorte que as partes possam construir uma interpretação comum dos fatos e utilizar as palavras como solução, e não como causa, do conflito.

Mediação implica em reduzir a distância entre o que é dito e o que é entendido. Se isso acontecer, a disputa pode ser resolvida. Na maior parte das vezes, diferenças não são incompatibilidades. O simples conhecimento das diferenças expõe soluções possíveis e compatíveis. São as palavras, sempre elas, que apontam o caminho.

Mediação é ajudar as partes a ouvir com mais atenção. Afinal, não ouvimos aquilo que é dito. Ouvimos aquilo que estamos preparados para ouvir.

Elton Simões mora no Canadá há 2 anos. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). Email: esimoes@uvic.ca. .

ABANDONO AFETIVO É PURA MANIFESTAÇÃO DE “DIREITO CRIATIVO”! É DEGRADAÇÃO DA CULTURA DEMOCRÁTICA. OU: QUANTO CUSTA O AMOR PATERNO?

Os Cachoeiras e, sobretudo, as cascatas que tomam conta da vida pública acabam nos levando a deixar de lado alguns temas relevantes, que dizem respeito não exatamente à política como jogo do poder, mas à cultura política entendida como uma ética de relação com o outro e com o mundo. Estamos nos tornando um país de fanáticos do sentimentalismo, de pervertidos da reclamação, de ditadores da reparação. Aquele que tiver a sorte, para desdita de muitos, de manejar o aparato do estado impõe, então, o seu fanatismo, a sua perversão, a sua ditadura. E ao arrepio da lei! Lei pra quê? O que importa é “fazer justiça” segundo a metafísica influente.

Em uma decisão inédita, a 3º Turma do STJ reconheceu o direito que tem uma filha, hoje com 38 anos, de receber uma indenização de R$ 200 mil de seu pai. O “crime” dele: “Abandono Afetivo”!!! É inútil procurar essa caracterização em qualquer código. Não existe. Trata-se de um manifestação de “Direito Criativo” — área em que o Brasil desponta para o mundo com farta produção —, formulado com base em umas tantas considerações de ordem subjetiva feitas por juízes. Vocês certamente acompanharam o caso. Um senhor teve uma filha fora do casamento. Depois de uma ação judicial, ela foi legalmente reconhecida e assistida materialmente. Goza de todos os direitos dos demais herdeiros. Mas reclama que não foi devidamente amada quando criança…

A exemplo da Lei da Palmada, a decisão da Justiça constitui uma intromissão absolutamente inadmissível do estado na vida dos indivíduos. Como mensurar se esse pai deu amor demais ou de menos? Como estabelecer um padrão mínimo — garantida a assistência material, que existiu — de dedicação amorosa, de modo que possa ser mensurada num tribunal? O que sabem aqueles juízes das altercações e dificuldades que pai e mãe, numa relação não-familiar, tiveram ao longo da vida? Por que é ele, necessariamente, o vilão da história?

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, argumentou por um caminho curioso: “O cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente. Não se discute mais a mensuração do intangível — o amor —, mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento ou parcial cumprimento de uma obrigação legal: cuidar.” O pai dispensou, segundo consta, o cuidado que está estabelecido em lei. A filha está reclamando é de falta de amor.

E, ora vejam, contrariando, então, o que diz a ministra, é justamente esse amor que está sendo mensurado. A mulher havia perdido a causa em primeira instância. Recorreu ao Tribunal de Justiça e ganhou, com uma indenização fixada em R$ 415 mil. O STJ reformou a decisão para R$ 200 mil. Fico cá me perguntando: como chegaram àquele primeiro valor? Aqueles R$ 15 mil, em particular, desafiam a minha quietude: o que ele deveria ter feito para que fosse, sei lá, apenas R$ 400 mil? Por que o próprio STJ considerou que o “abandono afetivo” não vale tanto, podendo ficar por R$ 200 mil mesmo?

Este trecho da reportagem do Estadão é espetacular: “A ministra afirmou que a filha conseguiu constituir família e ter uma vida profissional. ‘Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e tristeza, e esses sentimentos ainda persistam, por ser considerada filha de segunda classe’, disse Nancy.”

Entendi. Ela recebeu o devido aporte material, leva uma vida normal, constituiu família, tudo nos conformes. Mas sobrou “a dor”. Ora, Val Marchiori já nos ensinou em “Mulheres Ricas”, certo? Não há dor que o dinheiro não cure… Relooouuu!!

Ineditismo por ineditismo, por que essa filha, que é herdeira do pai (como os irmãos), não recorreu à Justiça para obter, então, um mea-culpa, um pedido de desculpas, um reconhecimento público da falta de cuidado amoroso, um abraço? Não! Nada disso! Existe um preço para a falta de amor! Era R$ 415 mil, mas pode ficar por R$ 200 mil.

No mérito, o caso é, parece-me, eticamente escandaloso. Mas também é uma aberração jurídica. O Judiciário brasileiro acaba de legislar, mais uma vez, criando o crime do “abandono afetivo”? Cadê a lei, santo Deus? Não há! Eis aí. Vivemos o que chamo a era dos fanáticos do sentimentalismo — juízes, agora, acham que podem pôr um preço nas sensações e subjetivismos. Vivemos a era das perversões da cultura da reclamação: basta que o “oprimido” saia por aí proclamando a sua dor para gerar solidariedade automática. Com sorte, encontra pela frente os ditadores da reparação, que resolverão, como costumo dizer, fazer justiça com a própria toga.

Está criada a jurisprudência, embora a decisão não seja vinculante. Cabe a cada juiz decidir. Mas adivinhem só… Nesse caso, pobre pai!, ele é culpado antes mesmo de qualquer juízo objetivo. Afinal, teve uma filha fora do casamento, só reconhecida depois de uma ação judicial, com quem ele não conviveu — embora tenha cumprido todas as obrigações QUE AS LEIS EXISTENTES LHE IMPUNHAM. Ele só não sabia que estava na mira de uma lei desconhecida porque… simplesmente inexistente!

Quanto tempo vai demorar para que quiproquós familiares comecem a lotar a Justiça ainda mais do que hoje? Quanto serão os filhos, mesmo frutos de uniões estáveis e vivendo sob o teto familiar, que alegarão, a depender dos conflitos, esse tal “abandono afetivo”? Não havendo lei, pode-se acusar qualquer coisa: “Olhe, quero dizer que o meu pai (ou mãe) me sufoca”… Pobre pai! Em breve, estará impedido de exercer, digo com ironia, até aquele papel que Freud lhe reserva, não é? Não poderá mais ser o saudável repressor, a quem cumpre dizer que os limites existem. Quem sabe chegue o dia em que o parricida alegará no tribunal que só cumpriu seu gesto tresloucado porque seu aparelho psíquico, malformado pelo morto, não operou a necessária interdição, e a morte simbólica de Laio na disputa por Jocasta se fez física, pelas mãos de um Édipo que era, sei lá, contador…

Uma perguntinha à ministra Nancy Andrighi e a seus colegas: esse valor pelo “abandono afetivo” foi estabelecido, suponho, com base na condição financeira do pai, certo? Um homem muito pobre seria condenado a compensar a subjetividade ferida da filha com um pão com mortadela? O “abandono efetivo” de Eike Batista custaria R$ 200 milhões, em vez de R$ 200 mil? Havendo boas respostas, juro que publico. O pai disse que vai recorrer ao Supremo. Considerando o que se anda fazendo por lá ultimamente, corre o risco de a indenização sair pelo dobro. Ou o nosso Supremo não tem protagonizado cenas explícitas de “Direito Criativo”?

Caminhando para o encerramento, pergunto: a filha vitoriosa troca os R$ 200 mil por um abraço e por um pedido de desculpas?

O assunto parece besta? Mas não é! A rigor, acreditem, é mais importante do que essa canalha que vive assaltando o dinheiro público. A cada pouco, há uma! Precisamos é metê-las na cadeia. Ou bem se tem um estado de direito funcionando, que proteja a coletividade e os indivíduos, a nação e o estado, ou ficamos à mercê do indeterminado. Se podemos ser punidos por um crime que não está tipificado e obrigados a fazer alguma coisa em razão de uma lei que não existe, então estamos numa ditadura. Ainda que uma ditadura exercida, com freqüência, por alguns juízes.

Por Reinaldo Azevedo