Nestes
tempos, é bom tomar cuidado com a memória. Carlos Velloso, ex-ministro do
Supremo e hoje advogado militante, foi indagado por jornalistas sobre a liminar
concedida pelo ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a tramitação, no Senado,
do projeto de lei que busca criar dificuldades para a formação de novos
partidos. Ele mandou bala: “No meu tempo de Supremo, eu nunca vi nada
igual”.
Viu, sim, ministro. Andrei
escarafunchando no site do Supremo a jurisprudência e
encontrei lá esta preciosidade:
“O parlamentar tem legitimidade
ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos
praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não
se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa
do parlamentar, apenas. Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Min.Moreira Alves (leading
case), RTJ 99/1031;
MS 21.642/DF, Min. Celso de Mello, decisão monocrática, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Min. Octavio
Gallotti, RTJ139/783; MS 24.356/DF,
Min. Carlos
Velloso, DJ de 12-9-2003.” (MS 24.642 ,
Min.Carlos
Velloso, julgamento em 18-2-2004, Plenário, DJ de
18-6-2004.).”
Como vocês veem, os links estão
todos aí. Inclusive de mandado de segurança relatado pelo ministro… Carlos
Velloso, referente ao Mandado de Segurança 24.356-2.
Voltei
Assim, sustento que Velloso não só viu
como reproduziu, de próprio punho, a jurisprudência do tribunal. Assim,
voltemos ao caso em espécie. Foi um senador, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), de
posse da sua legitimidade, quem impetrou o mandado de segurança contra o
projeto que tenta coibir a formação de novos partidos. Logo, o mandado é um
instrumento jurídico hígido.
Aí caberia perguntar: “Mas
aquele projeto não se compatibiliza com o processo legislativo
constitucional?”. Se os ministros levam a sério os próprios votos, a resposta
óbvia é “não”! Quando o STF decidiu, na prática, por maioria de 9 a 2, que os
parlamentares que migraram para o partido de Gilberto Kassab tinham o direito
de levar o tempo de TV e a parcela do Fundo Partidário correspondentes, estavam
fazendo uma INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. E isso quer dizer que aquele
entendimento fica incorporado à Carta. E ponto final.
Qual é a razão da gritaria? Um
professor da USP chamado Virgílio Afonso da Silva, tudo indica, também ignora a
jurisprudência do Supremo, daí ter tentado acusar uma invasão de competência de
Gilmar Mendes. Não é verdade que o ministro tenha concedido liminar (íntegra aqui só porque não gosta do projeto). É preciso ler o
texto. Ele a concedeu porque:
a: o senador tem legitimidade para
impetrar mandado de segurança;
b: o mandado de segurança é um
instrumento cabível porque o projeto não se compatibiliza com a ordem
constitucional;
c: jurisprudência do Supremo já decidiu
que interpretações conforme a Constituição não podem ser mudadas por legislação
ordinária;
d: A CONTINUIDADE DA TRAMITAÇÃO DO
PROJETO CRIARIA PREJUÍZOS IMEDIATOS E CONTÍNUOS ÀS FORÇAS QUE QUEREM CRIAR
NOVOS PARTIDOS, QUANDO O PRÓPRIO SUPREMO JÁ DECIDIU QUE OS IMPEDIMENTOS QUE
QUEREM IMPOR NÃO SÃO COMPATÍVEIS COM A CONSTITUIÇÃO.
Carlos Velloso falou demais. E
falou contra documento que ele próprio assinou. O professor da USP falou
demais. E falou contra jurisprudência do Supremo. Ele até pode não gostar dela.
Mas que não goste como cidadão; o que não pode é apontar, professoralmente, uma
ilegalidade que não existe. Estou provando que não existe.
E vejam as palavras do
ministro Celso de Mello, no Mandado de Segurança 21.642.
Encerro
É preciso ser um pouquinho mais
responsável com as palavras.
Por Reinaldo Azevedo