Por
Eduardo Gonçalves, na VEJA.com:
Das
ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) à construção do gigantesco
Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, os temas urbanos mais
discutidos na capital paulista nas últimas semanas passaram pela mesa da 5º
Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo,
chefiada por Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Conhecido por não fugir de
assuntos controversos, ele tem um lema: “Se não houver transparência, posso
suspeitar à vontade”. Foi ele quem moveu a ação civil pública com o objetivo de
anular todas as parcerias entre a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) e o
MTST. Também foi o responsável por reabrir uma investigação antiga para apurar
irregularidades na obra do Templo de Salomão, erguido com alvará de reforma no
Brás. Maurício Lopes explica por que considera o MTST uma “indústria de
ocupações urbanas” e questiona a relação obscura entre a prefeitura e o grupo
de sem-teto. Faz ainda uma análise do Plano Diretor Estratégico da cidade e
critica o modo como o projeto foi aprovado na Câmara Municipal, sob forte
pressão do MTST – e, claro, mediante concessões de Haddad. “Essas respostas
legitimam procedimentos nocivos à cidade”, afirma. Leia a entrevista ao site de
VEJA
Por
senhor define o MTST como uma “indústria de ocupações urbanas” e “oportunistas
de plantão”?
Porque
eles fazem ocupações em série. É só entrar no site do Tribunal de Justiça e ver
em quantas reintegrações de posse o movimento aparece como réu – há mais de
trinta delas. São uma indústria porque usam desse instrumento, as invasões,
para fazer pressão em detrimento do direito de outras pessoas que aguardam a
contemplação em programas de moradia. E todo mundo sabe que eles são um
movimento organizado.
O
senhor afirmou que a prefeitura de São Paulo privilegia o MTST, burlando a fila
de habitação. Em que fundamentou essa acusação?
Faço
essa afirmação porque não tenho o cadastro disponível. Em primeiro lugar,
reclamei da transparência do cadastro. Enquanto não for transparente, posso
suspeitar à vontade. Então, me dê transparência e as suspeitas podem ser confirmadas
ou eliminadas. Como a prefeitura não me deu nenhuma data para divulgar os
dados, entrei com uma ação judicial. O secretário de Governo ainda me explicou,
mas nada disso substitui a transparência. Não sou eu que reclamo por isso. É
uma exigência do Ministério das Cidades. Todas as suspeitas se confirmarão ou
se esvairão com a divulgação do cadastro.
Como
o senhor avalia o sistema do MTST, que distribui pontos na corrida por moradia?
[Para conseguir adesões, os líderes do MTST montaram uma planilha na qual
distribuem pontos para quem comparece a protestos e participa de invasões.
Quanto mais pontos reunir, o sem-teto passa na frente na fila de espera por
financiamento habitacional]
Não
tem transparência nenhuma. E esse é o único critério que se espera do
movimento: ser transparente com os seus membros. Ninguém sabe quantos pontos
cada um tem, nem quantos precisam para conseguir a indicação. É um sistema
secreto. Quer dizer, as pessoas que têm família para cuidar e um emprego formal
não dispõem de condições para competir em igualdade com os que vivem para a
militância. Agora, essas pessoas precisam menos de habitação? Por que
precisariam menos de habitação do que os militantes? O sistema de pontos é
injusto. Nessa questão, o movimento peca espantosamente.
O
líder do MTST, Guilherme Boulos, se beneficia politicamente ao ser recebido por
autoridades, como o prefeito Haddad e o governador Geraldo Alckmin?
Claro,
cada vez que ele é recebido por uma entidade, acaba se empoderando. Vou dizer
uma coisa: se eu fosse prefeito, governador ou presidente, não receberia o
Guilherme Boulos, porque ele não tem nada a contribuir, visto que seu movimento
é movimento político. Como promotor, se ele viesse me procurar, o receberia.
Mas se eu fosse chefe do Poder Executivo, não negociaria com ele. Autoridades
municipais até me disseram que não têm nenhum envolvimento com ele, mas não é o
que o Boulos alardeia por aí.
Por
que o senhor afirmou na ação que a prefeitura privilegia o MTST em troca de
votos?
Essas
entidades têm uma densidade política maior do que indivíduos. Qualquer coisa
que se faça com uma entidade cria uma vantagem política muito maior do que
fazê-la individualmente. O beneficiário de programas habitacionais reconhece o
seu direito. Já quando o movimento obtém um beneficio, recebe um ganho politico
difuso, de todos aqueles que se engajam nesse movimento. É uma coisa intuitiva,
da lógica política. Do ponto de vista dessa lógica, isso faz todo o sentido. Do
ponto de vista do reconhecimento do direito individual das pessoas, isso não
faz sentido. É assim que eu vejo.
Como
analisa o conteúdo do Plano Diretor aprovado pela Câmara Municipal?
Tem
pontos bons, mas também tem defeitos. Por exemplo, vejo com muita preocupação a
demarcação de algumas ZEIs (zonas especiais de interesse social) em áreas
estratégicas da cidade, como a Mooca, por exemplo. O plano não avança o tempo
todo na mesma direção. Mesmo assim, destaco como positiva a proteção que é dada
à cultura, a ideia de programar a cidade para reduzir distâncias entre trabalho
e emprego e o incentivo da construção ao longo dos eixos de transporte público
da cidade. Isso foi um grande avanço. Agora, na contramão disso, houve
interesses ocultos e alguns nem tão ocultos assim que foram privilegiados na
hora da aprovação, principalmente no tocante às Zeis. Eu também tenho dúvidas
se o plano trata peculiaridades regionais com o devido cuidado, com a devida
individualização. É importante ressaltar que São Paulo é muito grande. Temos 32
subprefeituras. São 32 minicidades dentro de São Paulo. Cada uma delas tem
cerca de 300.000 pessoas. É difícil imaginar que cada minicidade seja igual a
outra. Observo que houve boa vontade do relator, o vereador Nabil Bonduki, em
olhar a cidade, o que não quer dizer que eu concorde com todas as soluções
previstas. Também não gostei da forma como ele foi aprovado, às vésperas do
recesso e com tamanha pressão do lado de fora [sem-teto acamparam na porta da
Câmara Municipal para pressionar os vereadores]. Creio que poderia ter havido
um pouco mais de debate no Legislativo.
O
que acha das cláusulas do plano que beneficiam invasões do MTST? [O projeto
aprovadocontemplou quatro áreas invadidas pelo grupo de sem-teto na capital
paulista]
Acho
perigoso. Não estou menosprezando o problema social subjacente, mas acho esses
privilégios perigosos. Acho que essas respostas estimulam e legitimam esse
procedimento das invasões muito mais do que é desejável para a cidade. É
potencialmente muito perigoso. Eu acho que nós temos que ter o máximo de ZEIs
na cidade. Tudo que for possível deve ser reservado para habitação popular,
tendo em vista a demanda. Mas não devem ser áreas destinadas a parques, com
mananciais ou de preservação ambiental.
O
senhor tem indícios fortes para afirmar que a situação do Templo de Salomão
está irregular?
Tenho
absoluta convicção de que há irregularidades na aprovação da reforma, que na
verdade era uma obra nova. Isso tudo está baseado em documentos da própria
prefeitura de São Paulo. Essa aprovação trouxe vantagens econômicas e prejuízos
sociais, que agora precisam ser reparados. Isso foi monstruoso e inaceitável. O
nome de quem permitiu isso é Hussein Aref Saab, ex-diretor do Aprov na gestão
Kassab [e acusado de comandar um esquema de corrupção para liberar obras]. Ele
está diretamente ligado a isso. Tenho muitos indícios que comprovam a
afirmação. Está tudo sendo apurado.
O
que pode acontecer com o templo se as irregularidades forem confirmadas?
Tudo,
desde a demolição ao pagamento pelo dano urbanístico e social. Estou
trabalhando para obter o melhor resultado para a sociedade no menor prazo
possível. Não gostaria de entrar com uma ação judicial. Tenho tido um diálogo
franco, sincero, sério, honesto e bastante proveitoso com a direção da Igreja
Universal.
Por
que o MP recomendou o fechamento do templo?
Porque
a prefeitura deu uma autorização de evento para a inauguração do local, válida
por seis meses. Mas eventos não duram 15 horas por dia nesse período. Isso é
funcionamento, não evento.