Há
muito tempo uma reportagem não era tão comentada. Há muito tempo uma personagem
não despertava tanto interesse no Brasil. Refiro-me, como vocês devem imaginar,
ao texto “Os sultões
dos camarotes”, publicado na VEJA São Paulo da
semana passada, e a Alexander de Almeida, o rei entre os sultões, capaz de
gastar, como ele mesmo revela, R$ 50 mil ou mais numa noitada. É aquele rapaz
que, ao decidir confessar uma coisa que considera “pesada”, conta já ter
transado no banheiro da balada, com uma mulher. Surpreendente. Antes que
prossiga, uma nota: não há absolutamente nada de errado com a reportagem de
João Batista Jr. Ao contrário. Tudo lá está certo. O mesmo se diga do vídeo,
com milhões de acessos. Aqueles são os fatos. As pessoas são livres para fazer
seu julgamento — inclusive para dizer a maior penca de bobagens jamais dita,
creio, sobre um texto jornalístico. Tanto o repórter como a edição fizeram bem
ao não julgar a personagem. Em textos opinativos, jornalistas podem expressar
juízos de valor à vontade. Ali, tratava-se de exibir a realidade — aquela ao
menos, daquele recorte específico — como ela é. Se tudo parecia inverossímil,
fazer o quê? Comediantes que tentaram parodiar o rapaz quebraram a cara porque
não conseguiram superar o original.
No sábado retrasado, com a
revista circulando havia algumas horas, Alexander já havia se transformado, nas
redes sociais, no Inimigo Público Número Um do Brasil. Com que então, neste
país em que há tantos miseráveis, ele se atreve a gastar R$ 50 mil numa
balada??? Imediatamente, veio-me à memória uma música de Eduardo Duzek, da
década de 80 acho, cujo refrão era “troque seu cachorro por uma criança pobre”.
É bem verdade que os tempos mudaram um tantinho. Trinta anos depois, os dias
andam propícios para que se troque uma criança pobre por um cachorro… Se for um
beagle, não restará a menor dúvida. Uma proposta de código penal que está no
senado prevê pena mais grave para quem abandona um animal doméstico do que para
quem não socorre uma criança. Mas sigamos.
Notáveis moralistas descobriam
— talvez Alexander tenha razão ao apontar os invejosos — que o pobre rapaz rico
era o verdadeiro culpado pela exclusão social no Brasil. Voltava-se à máxima
boçal de que só existem miseráveis porque existem os ricos. Tinha-se a
impressão de que, não fossem estes, aqueles não existiriam; não estivessem
estes concentrando renda — nessa perspectiva estúpida, toda riqueza nasce da
apropriação indevida —, aqueles outros estariam sorrindo, felizes, com a boca
cheia de dentes. Ora…
Eu aprovo o estilo de vida de
Alexander? Não é o meu! Não seria ainda que tivesse o dinheiro que ele
tem. Mas e daí? Do que estamos a falar? De uma suposta imoralidade, quem sabe
ilegalidade, intrínseca a suas escolhas ou de uma questão de gosto?
DIGAM-ME CÁ, SENHORES FALSOS
MORALISTAS DE PLANTÃO: no que concerne às criancinhas pobres, aos
excluídos e à miséria brasileira, ir à Europa e aos Estados Unidos visitar
museus e galerias de arte ou acompanhar temporadas de ópera e espetáculos da
Broadway e Off-Broadway é diferente de gastar alguns milhares de reais numa
balada? Se a gente vai ver Michelangelo, os pobrezinhos são beneficiados por
nossa fruição estética?
Alguém seria capaz de
desenvolver essa tese? Alguém seria capaz de escrever um texto demonstrando
essa evidência? Acho que não! Em termos estritamente, digamos, econômicos,
Alexander gera empregos no Brasil com a sua gastança. Quando nós, os
inteligentes, os descolados, os que sabemos gastar com classe e estilo, fazemos
o circuito cultural do mundo desenvolvido, criamos e alimentamos empregos no…
mundo desenvolvido. É simples assim. Há uma boa possibilidade de que Alexander
distribua mais renda do que você, Catão da Riqueza e da Miséria Alheias!
“Ah, então o Reinaldo está
dizendo que o Alexander é melhor do que nós…” Não! Eu estou dizendo que ele tem
o direito de gastar o dinheiro dele no que bem entender. Aliás, se quiser fazer
uma fogueira e queimar tudo, quem poderá impedi-lo? “Isso ofende a miséria que
há no Brasil!” Devagar com o andor!
Caso Alexander tenha roubado o
dinheiro de alguém; caso se verifique que ele o ganhou de forma fraudulenta;
caso fique evidenciado que recorreu a alguma picaretagem, que seja, então,
punido, depois do devido processo legal, por isso. Mas não porque ele ofende o
nosso sentimento pessoal de justiça — ou de rancor… — ou o nosso senso
estético. No fim das contas, todo o ódio que passaram a devotar ao rapaz é
parte da pior cultura brasileira, avessa ao individualismo e à propriedade
privada. Até onde sei e até agora, não há evidências de que tenha cometido
crime. Mesmo assim, ele foi condenado à forca moral.
Sabem quem rouba as
criancinhas? Os ladrões de dinheiro público.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem pega dinheiro do BNDES e dá truque.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem fornece empréstimos de bancos púbicos a maus pagadores.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem frauda licitações.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem comete sobrepreço em obra financiada com dinheiro oficial.
Aliás, alguns do que mais babaram
seu rancor contra Alexander e contra a reportagem são subjornalistas que vivem
do patrocínio de estatais. Quando administrações e empresas públicas financiam
adjetivos de desocupados, deixam de usar esse dinheiro na construção de casas e
postos de saúde para os pobres. Estes, sim, roubam os miseráveis, não o rapaz
que torra o que é dele em champanhe. Pagar a própria vodca é muito mais decente
do que xingar os outros com o dinheiro dos desvalidos. Se Alexander ganha a
vida honestamente, o Brasil tem mais a aprender com ele do que com vagabundos
que metem a marreta na porta duma reitoria. Estes fazem mal ao país, mas são
tratados como bibelôs ideológicos por nossa imprensa.
Achar que é indecente que ele
gaste R$ 50 mil numa balada é o mesmo que dizer que somos todos imorais quando
tomamos um vinho de R$ 150 de vez em quando. Somos? Há chilenos respeitáveis
que custam R$ 50. Os R$ 100 poderiam ir para um desassistido. Se os milhares de
reais que Alexander gasta nas suas festanças são a evidência de sua insensibilidade
social, as poucas centenas que gastamos num bom restaurante, também de vez em
quando, são o quê? Prova de nossa grandeza? Qual é fundamento? Qual é o
princípio? Então quer dizer que o “não dar pouco” aos pobres, quando se pode
fazê-lo, forma os juízes executores, mas o “não dar muito”, os réus executados?
Que diabo de ética torta é essa? Qual é a linha de corte que distingue os
fuziladores dos fuzilados?
Por Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário