O
SBT cedeu à pressão, ao alarido e à gritaria dos censores em tempos
democráticos e decidiu proibir os comentários da jornalista Rachel Sheherazade.
Os autoritários, os imbecis e os esquerdopatas estão felizes. São, ademais,
mentirosos porque fingem uma indignação que não têm para alimentar os
preconceitos que têm. Na origem da polêmica, está um comentário que Sheherazade
fez no ar quando um jovem assaltante foi detido por moradores e atado a um
poste. Já escrevi um post a
respeito no dia 10 de fevereiro. Embora eu não endosse o comentário da
jornalista, É UMA MENTIRA ESCANDALOSA QUE ELA TENHA APOIADO AQUELE TIPO
DE TRATAMENTO.
Ela
disse outra coisa. Afirmou que, numa sociedade em que o estado é omisso
e em que a violência se dissemina, é “compreensível” aquela atuação da
população. Dias depois, diga-se, o rapaz foi detido novamente por suas vítimas
habituais. Para não apanhar, começou a gritar: “Eu sou o do poste. Sabe com
quem está falando”. Ele sabia que os cretinos deslumbrados o tinham tornado uma
celebridade.
Certamente
haverá um bando de tontos, inclusive no meio jornalístico, aplaudindo a
decisão, sem se dar conta de que está botando a própria cabeça na guilhotina. É
mentira que Sheherazade esteja sendo punida por aquela opinião. Ela está sendo
calada porque não emite, na TV, ponto de vista consideradas consensuais; porque
não lustra os preconceitos politicamente corretos que tomam conta da TV aberta;
porque não segue, enfim, a manada.
Vocês
já se deram conta do vocabulário que se tornou usual nas TVs brasileiras — sem
exceção — a partir das 21h? Temas de relativa complexidade moral — de dilemas
éticos à questão da sexualidade — são levados em cena aberta, e é certo que há
crianças do outro lado da tela, não é? Ah, mas em matéria se sexualidade, de
formação familiar, de consumo de drogas, de desassombro vocabular, mesmo
quando, reitero, há crianças envolvidas inclusive nas cenas, aí somos todos
libertários; aí ninguém quer correr o risco de parecer reacionário; aí a mãe
pode levar o filho para o ambiente em que mantém flertes lésbicos. Afinal, o
que é que tem? Lesbianismo é comum.
E
não serei eu aqui a dizer que seja incomum, não é? Não estou defendendo censura
nenhuma, antes que algum bobalhão leia que o que não está escrito. Eu já disse
que não brigo com TVs, com programas de humor na Internet, com nada disso.
Defendo apenas que se desligue a TV e que não se veja o tal programa. E pronto!
Mas sigamos. Aprendi, dada a educação moral e cívica ora em vigência,
que um gay esmagado pelo pai pode sequestrar e jogar uma criança no lixo,
tentar matar uma pessoa, financiar o sequestro dessa mesma criança; chantagear,
extorquir, fazer o diabo. Se ele descobrir o amor verdadeiro e se isso
significar a adesão da maior emissora do país a uma causa “progressista”, tudo
vale a pena. O bandido merece perdão. Já a bandida heterossexual morre
eletrocutada numa cerca para deixar de ser safada. O pai homofóbico termina
seus dias babando e dependendo daquele a quem tanto hostilizou. Quem mandou ser
tão malvado e, em certa medida, literalmente cego de heterossexualismo e
machismo? E não duvido que muitas mulheres tenham achado “liiinda” a novela
misógina. O Brasil está ficando burro.
Essa
mesma televisão, no entanto, não pode comportar as opiniões de Rachel
Sheherazade. Quais opiniões? Aquela de que é “compreensível” que a população se
revolte e decida fazer justiça. Não! Ninguém nem está ligado pra isso. O
problema são as outras opiniões que ela tem. Se há manifestantes violentos nas
ruas, em vez de ela verter a baba adesista, tão comum hoje em dia, ela critica;
se bandidos cometem atrocidades, em vez de ela se compadecer com a suposta
origem social da violência — uma mentira! —, ela pede cadeia; se há invasão de
propriedade privada, em vez de ela se solidarizar com invasores, deixa claro
que aquele não é o caminho.
Isso
não pode! Sheherazade poderia estar emitindo opiniões com esse conteúdo em
qualquer democracia do mundo. Não na nossa! Na nossa democracia, todos têm de
estar alinhados com os cânones do pensamento politicamente correto. Ou não pode
trabalhar. Vejam os debates sobre os 50 anos do golpe militar de 1964. Eu falei
“debates”? Uma ova! Não houve! Ao contrário: sob o pretexto de que todos
defendemos a democracia, o que se viu nas TVs foi um espetáculo de
mistificação. Mais um pouco, João Goulart só não foi chamado de competente…
PCdoB
e PSOL
PCdoB e PSOL resolveram recorrer ao Ministério Público contra Sheherazade. Pedem abertamente a cabeça da jornalista, ameaçando a emissora com o corte de verbas de publicidade oficial. PCdoB e PSOL falando em nome da democracia? Dois partidos que defendem a ditadura chavista? Que defendem a ditadura cubana? Que defendem regimes que prendem pessoas por delitos de opinião? Que se alinham com as milícias bolivarianas?
Quem
vai dar aula de tolerância a Rachel Sheherazade? A deputada Jandira Feghali? O
partido que, até outro dia, foi flagrado em relações incestuosas com ONGs de
mentirinha para enfiar a mão do dinheiro público? Que ainda não perdoou Krushev?
Nem chego a considerar a tal Jandira um ser da nossa era! Espero que ela não
tente me calar também!
Muito
bem! Agora Sheherazade não vai mais emitir opiniões. O Brasil ficou melhor por
isso? Teremos, agora, mais liberdade de expressão? A verba publicitária oficial
pode ser usada por veículos de comunicação que defendem abertamente a
roubalheira havida na Petrobras, mas não poderia ir para o SBT porque havia lá
uma jornalista que dizia coisas incômodas. Considerando o padrão da TV aberta
brasileira, Sheherazade é que virou um problema? Mostrar o traseiro e o
bilau em reality show pode, mas afirmar que a população, sem estado, acaba
fazendo justiça com as próprias mãos é proibido? Engraçado! Na democracia
americana, a bunda e o bilau na TV abertas seriam proibidos, mas a opinião
política é livre. Vai ver é por isso que os EUA são os EUA, e o Brasil é o
Brasil. Na novelas das nove, se podem defender a descriminação das drogas e o
aborto — hoje considerado crimes pela legislação brasileira — e da pior forma
possível: no modelo merchandising ideológico, de forma mais ou menos
sorrateira. Mas ai de um jornalista que emita uma opinião que ofenda as
polícias do pensamento!
Sobre
a violência
No primeiro texto que escrevi sobe o caso, tratei da questão da violência. Não se trata de saber se direitos humanos devem existir também para bandidos. Os direitos humanos, vejam que coisa!, humanos são — e deles ninguém se exclui ou pode ser excluído. Ponto final. A questão é de outra natureza: cumpre tentar entender por que esses prosélitos mixurucas, esses propagandistas vulgares, jamais se ocupam da guerra civil que está em curso no Brasil há décadas. Então os mais de 50 mil que morrem por ano no país não merecem a sua atenção?
Sei
que pode parecer estranho a esses oportunistas, mas Sheherazade não amarrou
ninguém. A violência que a gente vê é só um pouco da violência que a gente não
vê. Os linchamentos se espalham Brasil afora. Os mais de 50 mil homicídios a
cada ano no país é que mereciam uma “Comissão da Verdade”. Por que os que agora
pedem a cabeça de uma apresentadora de TV jamais se ocuparam das 137 pessoas
(média) que são assassinadas todos os dias no Brasil?
Os
imbecis tentarão ler no meu texto o que nele não está escrito. Dou uma banana
para os tolos. Quanto mais eles recorrem à tática da desqualificação, mais
leitores vão chegando — e, agora, mais ouvintes também. Não dou a mínima. Não
me deixo patrulhar. Sim, eu acho que os que prenderam aquele rapaz pelo pescoço
têm de ser punidos. Eu acho que os que recorrem a linchamentos também têm de
arcar com as consequências.
Mas
acho igualmente que essa gente que decide resolver por conta própria — que
também é pobre de tão preta e preta de tão pobre — merece ter estado, merece
ter segurança, merece ter proteção. Se sucessivos governos se mostram incapazes
de dar uma resposta — por mais que eu deteste, por mais que eu ache que o
caminho errado, por mais que eu tenha a certeza de que a situação só vai piorar
—, as pessoas farão alguma coisa.
Parece-me
que foi esse o sentido que Sheherazade deu à palavra “compreensível” — o que
não implica necessariamente um endosso. Os historiadores já se debruçaram sobre
os fatores que tornaram “compreensível” a eclosão dos vários fascismos na
Europa do século passado ou da revolução bolchevique na Rússia. Compreender um
fenômeno não quer dizer condescender com ele. Eu, por exemplo, penso que é
compreensível que o PT tenha chegado ao poder, entenderam?
Ainda
que, reitero, avalie que o comentário foi, sim, desastrado. Mas tentar linchar
Sheherazade moralmente, aí já é um pouco demais! Estranha essa gente: defende o
direito de defesa para os bandidos mais asquerosos — e nem poderia ser
diferente —, mas pede a execução sumária de alguém por ter emitido uma opinião
infeliz.
E
por quê?
E por que se silencia de maneira sistemática, contumaz, cínica, sobre a guerra civil brasileira? Num artigo da Folha, sintetizei a razão (em azul):
E por que esse silêncio? É que os fatos sepultaram as teses “progressistas” sobre a violência. A falácia de que a pobreza induz o crime é preconceito de classe fantasiado de generosidade humanista. A “intelligentsia” acha que pobre é incapaz de fazer escolhas morais sem o concurso de sua mística redentora. Diminuiu a desigualdade nos últimos anos, e a criminalidade explodiu. O crescimento econômico do Nordeste foi superior ao do Brasil, e a violência assumiu dimensões estupefacientes.
Os
Estados da Região estão entre os que mais matam por 100 mil habitantes:
Alagoas: 61,8; Ceará: 42,5; Bahia: 40,7, para citar alguns. Comparem: a taxa de
“CVLI” de São Paulo, a segunda menor do país, é de 12,4 (descarta-se a primeira
porque inconfiável). Se a nacional correspondesse à paulista, salvar-se-iam por
ano 26.027 vidas.
Com
22% da população, São Paulo concentra 36% (195.695) dos presos do país
(549.786), ou 633,1 por 100 mil. A taxa de “CVLI” do Rio é quase o dobro (24,5)
da paulista, mas a de presos é inferior à metade (281,5). A Bahia tem a maior
desproporção entre mortos por 100 mil e (40,7) e encarcerados: 134. Estudo
quantitativo do Ipea (aqui) evidencia que “prender mais bandidos e colocar mais
policiais na rua são políticas públicas que funcionam na redução da taxa de
homicídios”.
Isso
afronta a estupidez politicamente correta e cruel. Em 2013, o governo federal
investiu em presídios 34,2% menos do que no ano anterior — caiu de R$ 361,9
milhões para R$ 238 milhões. Para mais mortos, menos investimento. Os
progressistas meio de esquerda são eles. Este colunista é só um reacionário da
aritmética. Eles fazem Pedrinhas. Alguém tem de dar as pedradas.
Retomo
Boa parte dos que estão vociferando não está nem aí para os pobres, os humilhados etc. Esses coitados servem apenas de pretexto para aquela turma perseguir os de sempre. Não fosse assim, esses bacanas estariam mobilizados, cobrando uma ação do estado brasileiro para pôr fim ao Açougue Brasil, especializado em carne humana.
Bando
de censores babacas e autoritários! Ah, sim: o SBT não proibiu apenas
Sheherazade de omitir opiniões. A regra vale agora para todos os profissionais
de imprensa da casa. Vai ver o Sindicato dos Jornalistas do Rio, que também
havia se insurgido contra ela, está feliz. Agora, sim, é que ficou bom, certo?
Claro, claro! Sempre haverá um daqueles para dizer que isso só acontece porque
se trata de um meio de comunicação da burguesia. O semovente não tem dúvida de
que Sheherazade deve ser censurada, mas que a opinião deve ser livre para os
que emitem as opiniões “corretas”…
Por Reinaldo Azevedo
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