Quis
o destino que a OAB fizesse uma aliança objetiva com o PT — e pouco me importa
se estão conspirando, numa parceria; colaboração objetiva não precisa de
conspiração — para golpear a democracia. Um primeiro capítulo pode começar a
ser votado nesta quarta, no Supremo.
A
OAB recorreu ao STF para que o tribunal declare inconstitucional a doação de
empresas privadas às campanhas eleitorais. Mesmo a de pessoas físicas sofreria
severas restrições. A matéria está na pauta desta quarta. O relator é o
ministro Luiz Fux. Pode começar a ser votada hoje. Qual seria a boa intenção da
proposta? Argumenta-se que as empresas doam dinheiro para candidatos esperando,
mais tarde, compensações. E isso estaria na raiz da corrupção e de coisas como
o mensalão. Parece-me uma soma espetacular de equívocos e de falta de lógica.
Em primeiro lugar, é mentira que o mensalão tenha sido financiamento irregular
de campanha. Até porque os mensaleiros estavam era pegando mais dinheiro das
empresas, e não devolvendo — inclusive de empresa pública. E todos já estavam
eleitos.
Em
segundo lugar, se as empresas não puderem fazer a doação por dentro, com
registro na Justiça Eleitoral, vai acontecer o quê? Ora, aumentará brutalmente
a quantidade de dinheiro ilegal nas campanhas, sem registro nenhum. Acabar com
o financiamento privado corresponde a pôr as raposas para tomar conta do
galinheiro. Em terceiro lugar, se o dinheiro privado não financiar campanhas,
tudo terá de sair dos cofres públicos — do nosso bolso. E como definir quanto
cada partido receberá? Isso teria de ser feito com base no tamanho da bancada
de deputados. PT e PMDB, os maiores partidos, se dariam bem. Os demais estariam
numa situação muito difícil.
O
instrumento que a OAB usou é a chamada ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Recorreu ao STF em 2011. A ação começará a ser julgada agora. Já há muito do
nosso dinheiro em campanhas eleitorais: as legendas recebem o chamado Fundo
Partidário e há a renúncia fiscal decorrente do horário político e do horário
eleitoral gratuitos. Isso tudo pode chegar perto de R$ 1 bilhão de reais em ano
eleitoral.
A
proposta da OAB, curiosamente, coincide com a do PT, ainda que por outros
caminhos. Infelizmente, a Ordem quer impor pela via judicial uma medida que o
Congresso, acertadamente, já recusou.
Frente
petista
Atenção!
O PT alimenta uma campanha para apresentar uma emenda de iniciativa popular
instituindo o financiamento público. Assim, a OAB faz a primeira parte do
serviço, tentando fazer com que o Judiciário proíba a doação das empresas, e ao
Congresso restaria o quê? Aprovar a forma da doação pública.
O PT
quer criar um fundo para as eleições, alimentado por verba do Tesouro. Jáescrevi a respeito. O partido do mensalão considera
esse dinheiro “sujo”. Ulalá!!! A OAB, que, com frequência, anda a exibir uma
biruta torta em matéria de estado democrático e de direito, apoia essa
porcaria. Candidamente, fala em divisão igualitária entre os partidos. Sei:
legendas grandes como PT, PMDB e PSDB receberiam o mesmo que o PDPN, por
exemplo? O que é PDPN? Partido Democrático da Zorra Nenhuma! Tenham paciência!
Se assim se fosse, seria estúpido. Sendo como quer o PT, é antidemocrático.
Critério
Algum
critério há de haver. O tempo de TV e a fatia do Fundo Partidário são
distribuídos segundo o tamanho da bancada dos deputados federais. Poder-se-ia
usar esse mesmo para o dinheiro. O PT ficaria feliz. É dono da maior; em
seguida, vem o PMDB. Aí o peemedebista tonto fica feliz: “Ah, então ajuda a
gente também…”. É?
O PT
até chegou a elaborar uma proposta, que não prosperou. Mas ainda não mudou de
ideia. O partido quer que a verba pública de campanha seja distribuída
levando-se em conta o número total de votos que os partidos obtiveram para
deputado. Sim, claro, o PT está na frente! Sua vantagem nesse quesito (16,06
milhões), em relação ao PMDB (12,49 milhões), é maior do que revela o tamanho
das bancadas: 88 para o primeiro; 79 para o segundo. No primeiro caso, é de
11%; no segundo, de 28,5%. Só para vocês terem uma ideia: o PMDB teve para
deputado federal só um pouco de votos a mais do que PSDB: 12,49 milhões contra
11,33 (10,2%). Ocorre que os tucanos têm uma bancada de 54 deputados, e o PMDB,
de 79 (diferença de 46%). Por que é assim? A forma como cada legenda fez suas
coligações proporcionais conta, mas não muito. Ocorre que o PSDB elege seus
parlamentares mais nos grandes centros, e o PMDB, nos grotões.
Curiosamente,
ou nem tanto, esse critério seria ruim para o… PMDB. Há muito o PT quer pôr o
seu “aliado” no devido lugar, não é? Mas atenção! Mesmo que se usasse o tamanho
das bancadas como critério, os petistas estariam, no médio e no longo prazos,
acuando adversários, sim, mas também aliados. Se o Supremo proibir as
doações das empresas, estará fazendo um servicinho para o PT. O partido, no
entanto, continuaria a ser a única legenda a poder usar dinheiro não público,
ainda que de modo sorrateiro. Cansamos de ver, campanha após campanha, a
mobilização da máquina sindical, das ONGs e dos movimentos sociais em favor do
partido. Ora, isso corresponde, não há como ignorar, a uma doação que pode ser
estimada em dinheiro — além de ser intrinsecamente ilegal.
O
PT teria, então, garantida a maior fatia do bolo — o que colaboraria para que
continuasse a ser a maior bancada e para fazer as melhores campanhas — e
seguiria sendo o depositário da colaboração ilegal dos mecanismos de
representação social aparelhados pelo partido. Teria ainda a vantagem da
propaganda oficial (incluindo a de estatais), que remete sempre à metafísica
partidária. Sim, até o principal aliado do PT, o PMDB, quebraria a cara
logo, logo. Ficaria, de saída, com menos dinheiro, estaria impedido de captá-lo
no mercado e não teria, por óbvio, a colaboração estimável em dinheiro da
máquina aparelhada. Sob a desculpa de barrar a influência de interesses
privados nas eleições, o PT quer dar um “golpe” para tentar se eternizar no
poder. E a OAB decidiu ser sua parceira.
É
claro que, hoje em dia, porque está no poder, os petistas têm mais facilidade
para captar recursos. Mas os demais partidos também contam com suas respectivas
máquinas, suas lideranças regionais etc. Os doadores aparecem — e não há mal
nenhum nisso desde que tudo seja feito às claras. Agora que estão por cima,
agora que têm a maior bancada, agora que têm o maior número de votos, os
petistas pretendem impedir a livre captação das demais legendas para,
obviamente, retirar-lhes a capacidade de concorrer em pé de
igualdade. Infelizmente, as pequenas tendem a ver isso com simpatia
porque, para elas, a captação é mesmo mais difícil. Se houver um cartório para
cuidar do assunto, melhor. Para as grandes legendas, que podem, em tese,
sonhar com a Presidência da República, o financiamento público é um péssimo
negócio se for aplicado com seriedade e um risco gigantesco se o for sem
seriedade. Sim, meus caros, tenderia a crescer estupidamente a doação ilegal de
campanha.
No
melhor dos mundos, o pior
E
que se note: no melhor dos mundos — todo mundo seguiria a lei, sem caixa dois
—, ainda assim, se teria o pior dos mundos. Hoje, o fato de os partidos
precisarem de doações privadas também lhes põe alguns freios, não é? Fico cá a
imaginar os petistas, como o maior partido, dono da maior bancada e do maior volume
de votos com uma montanha de dinheiro para a campanha garantido pelo cartório,
sem precisar estabelecer compromissos — refiro-me a compromissos legítimos e
democráticos — com ninguém…
Olhem
aqui: essa conversa de financiamento público é uma de duas coisas — e não
consigo ver a terceira opção: ou é coisa de gente de má-fé ou é coisa de
idiotas. Idiota, o PT não é. Ou teria feito essa proposta quando tinha 8
deputados, não quando tem 88.
Por Reinaldo Azevedo
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