O ministro Marco Aurélio Mello, do
STF, disse acreditar que Lula sabia da existência do mensalão. “Eu não posso
imaginar que alguém atilado como é o ex-presidente Lula, safo como eu disse,
não tivesse conhecimento do que estava ocorrendo na República”. Na versão do
delator Roberto Jefferson, Lula teria vertido lágrimas ao ser comunicado por
ele da existência do esquema. Em entrevista ao blog, Marco Aurélio levou o pé
atrás: “Será que durante os oito anos [de mandato] ele delegou tanto a chefia
do governo?”
Marco Aurélio recebeu o repórter na
tarde desta segunda-feira (18) no seu gabinete no Tribunal Superior Eleitoral.
Nesta terça-feira (19), ele assumirá pela terceira vez a presidência da Corte
máxima da Justiça Eleitoral. Disse esperar que a Câmara casse os mandatos dos
deputados federais condenados no julgamento do mensalão. “Eu não concebo que,
em se tratando de um crime contra a administração pública, vindo à tona uma
decisão condenatória, o condenado continue exercendo o mandato político.”
O ministro realçou que uma das
consequências da execução da pena é “a suspensão dos direitos políticos” do
condenado. “Logicamente, quem está com os direitos suspensos não pode exercer o
mandato”, enfatizou o entrevistado. Marco Aurélio reconheceu que houve uma
“involução” do STF nessa matéria. Ao julgar outro processo, envolvendo o
senador Ivo Cassol (PP-RO), o tribunal entendeu, por 6 votos a 5, que não cabe
ao Judiciário “declarar a perda do mandato político”. Ainda assim, ele defende
a cassação automática.
Para Marco Aurélio, não caberia à
Mesa diretora da Câmara senão “constatar o fato, conferir a documentação do
fato e, diante de uma decisão do Supremo, simplesmente proclamar a perda” do
mandato. “Nós temos o exemplo [de Natan] Donadon que, condenado a 13 anos, continua
ainda titular do mandato”, afirmou o ministro antes de manifestar sua
expectativa de que a Câmara não irá permitir que se forme uma bancada da
Papuda. “A cobrança da sociedade, ante o acompanhamento da imprensa, é muito
rígida. E o nosso Congresso está a dever satisfações à sociedade.”
Instado a comentar a nota em que o PT
criticou o julgamento do mensalão e as afirmações dos petistas José Dirceu e
José Genoíno de que são “presos políticos”, Marco Aurélio afirmou: “É o direito
de espernerar. Condenados nunca ficam satisfeitos com condenação.” Segundo ele,
o STF chegou às condenações guiando-se exclusivamente pelas provas. “Não houve
ficção jurírica.” Lembrou que a maioria dos ministros do Supremo “foi nomeada
pelo governo do PT”. E ironizou: “Há alguma coisa que não fecha nesse sistema.”
Quais serão os efeitos do julgamento
do mensalão na sociedade e no compartamento dos políticos?, indagou o repórter.
E Marco Aurélio: “A percepção de que a lei é linear, vale para todos.”
Afasta-se do cenário, na opinião do ministro, “a sensação de impunidade”.
Quanto aos “homens públicos, ficarão um pouco mais espertos. Voltarão os olhos
para servir a partir do cargo e não para se servirem do cargo, visando
vantagens pessoais.”
Recordou-se a Marco Aurélio que,
enquanto o STF julgava o mensalão, proliferaram os casos de corrupção —a máfia
dos fiscais na prefeitura paulistana, as propinas e a a formação de cartel no
metrô de São Paulo, os desvios de verbas nos ministérios, por meio de ONGs… Ele
afirmou que “muitos julgamentos” como o do mensalão terão de ocorrer para que a
corrupção seja inibida.
“Esses são casos que afloraram”,
disse Marco Aurélio. “E os que não afloram, que ficam debaixo do tapete, como
se costuma dizer?” Otimista, o ministro disse crer que “um dia nós teremos um
contexto bem mais sadio em termos de cultura no Brasil.” Avalia que, para que
isso ocorra, são essenciais as atuações da imprensa, do Ministério Público, da
Polícia Federal e do próprio Judiciário, que precisa atuar “a tempo e modo,
pouco importando o envolvido.”
Tomado pelas palavras, o ministro não
parece tão otimista quanto ao julgamento dos embargos infringentes, previsto
para o ano que vem. Receia que o STF altere condenações pelo crime de formação
de quadrilha ao julgar recursos impetrados por réus como José Dirceu, José
Genoino e Delúbio Soares. Deve-se o temor à alteração da composição do tribunal
a partir da aposentadoria dos ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto,
substituídos por Teori Zavascki e Luíz Roberto Barroso.
A mudança já se materializou no
julgamento do processo que envolve o senador rondoniense Ivo Cassol. “Houve uma
dispersão de vostos quanto à configuração da quadrilha”, admite Marco Aurélio.
Caminha-se para um cenário em que a maioria do plenário pode enxergar mera “coautoria”
onde antes via formação de quadrilha. Algo que, na opinião de Marco Aurélio,
ateará decepção na opinião pública. “Como cidadão, eu ficarei desapontado” se,
“depois de a Corte maior do país ter batido o martelo num certo sentido, vir a
dar o dito pelo não dito”, permitindo que condenados como Dirceu migrem “do
regime fechado para o semiaberto.”
Conforme já antecipado aqui no início
da noite passada, Marco Aurélio fez críticas à maneira como o presidente do
STF, Joaquim Barbosa, implementou os primeiros pedidos de prisão do mensalão.
“Não havia motivo para o açodamento”, declarou. “Eu teria aguardado a
segunda-feira, sem dúvida alguma”. Estranhou a transferência dos presos de São
Paulo e Belo Horizonte para Brasília. “Para quê? Para depois eles retornarem à
origem?”
O ministro desaprovou também a demora
no envio à Vara de Execuções Penais do DF das “cartas de senteça”, documentos
que detalham a situação de cada preso. E classificou de “impensável” o fato de
condenados ao regime semiaberto terem sido presos em regime fechado, ainda que
por poucos dias.
Noutro trecho da entrevista, Marco
Aurélio reiterou suas críticas ao temperamento mercurial de Joaquim Barbosa.
“Nós não podemos permitir que a discussão descambe para o campo pessoal. E foi
isso que ocorreu várias vezes. Digo mais: se não houvesse tantos incidentes,
nós teríamos terminado esse processo muito antes.” Na sua opinião, falta
“urbanidade” a Barbosa. “Hoje, penso que é pacífico que ele não é bom no
diálogo”, “não convive bem com a divergência.” Numa autoavaliação, Marco
Aurélio disse que aprendeu a lidar a controvérsia na sua própria casa. “Eu sou
flamenguista e minha mulher é Fluminense.”
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