Vocês
viram, ou leram respeito, o bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo
Lewandowski. Vou começar por censurar quem estava com a razão técnica, embora
isso tenha perdido relevo para o seu temperamento irascível. Eu, que escrevo
sobre essas coisas, até posso afirmar que Lewandowski estava fazendo chicana —
isto é, atuando com o intuito deliberado de retardar o julgamento. Mas Barbosa?
Não lhe cabe dirigir esse tipo de acusação a um colega, por mais que discorde
dele. O julgamento está sendo transmitido ao vivo, os jornais, sites e blogs
estão aí, tudo está aos olhos de todo. Mas Barbosa é quem é. Mesmo quando no
exercício da chefia do Poder — e isso recomenda especial contenção —, põe o
homem acima da cargo. A atuação de Lewandowski, com a devida vênia, é mesmo
exasperante, para ser delicado. Mas não cabe ao presidente do tribunal acusar
um membro da corte de fazer chicana. Ainda que Lewandowski estivesse a fazer…
chicana!
Qual
é o busílis?
Os
ministros discutiam um embargo de declaração do ex-deputado do PL Bispo
Rodrigues. Ele foi condenado por corrupção passiva (3 anos) e lavagem de
dinheiro (3 anos e seis meses). O Congresso endureceu a pena para corrupção em
novembro de 2003, quando foi aprovada a Lei 10.763. A pena mínima passou de 1
para 2 anos, e a máxima, de 8 para 12. Muito bem: é direito do réu ser
processado pela lei que vigia quando o crime foi cometido.
O
que alega Rodrigues? Que os acordos financeiros entre o PL e o PT foram celebrados
no fim de 2002, na vigência, portanto, da lei mais branda. Ocorre que os
pagamentos foram efetivamente feitos quando já vigorava o novo texto. Antes que
avance, uma nota: se Rodrigues não foi condenado à pena máxima, mas só a três
anos, por que a reclamação? Porque a dosimetria é pensada tendo como base a
pena mínima, a partir da qual se aplicam os agravantes e atenuantes. Sigamos.
Esse
assunto já tinha sido debatido pela corte e, por unanimidade, escolheu-se,
conforme súmula do próprio STF, aplicar a lei mais dura. REITERO: POR
UNANIMIDADE, COM O VOTO DE LEWANDOWSKI! Ora, ainda que o acordo tivesse sido
celebrado antes, se o dinheiro não tivesse sido repassado, nem mesmo teria
havido o crime. Mas foi. E na vigência da nova lei. Assim, razão para Barbosa
se exasperar, convenham, havia. Mas não poderia ter reagido como reagiu.
Ele estrilou ao perceber que Lewandowski estava prestes a acolher o
embargo — seria provavelmente voto vencido. Celso de Mello tentou
contemporizar. Transcrevo o rebu:
Celso
de Mello – Os argumentos são ponderáveis. Talvez pudéssemos encerrar essa
sessão e retomar na quarta-feira. Poderíamos retomar a partir deste ponto
específico para que o tribunal possa dar uma resposta que seja compatível com o
entendimento de todos. A mim me parece que isso não retardaria o julgamento, ao
contrário, permitiria um momento de reflexão por parte de todos nós. Essa é uma
questão delicada.
Barbosa
– Eu não acho nada ponderável. Acho que ministro Lewandowski está rediscutindo
totalmente o ponto. Esta ponderação…
Lewandowski
– É irrazoável? Eu não estou entendendo…
Barbosa
– Vossa Excelência está querendo simplesmente reabrir uma discussão…
Lewandowski
– Não, estou querendo fazer justiça!
Barbosa
– Vossa Excelência compôs um voto e agora mudou de ideia.
Lewandowski
– Para que servem os embargos?
Barbosa
– Não servem para isso, ministro. Para arrependimento. Não servem!
Lewandowski
– Então, é melhor não julgarmos mais nada. Se não podemos rever eventuais
equívocos praticados, eu sinceramente…
Barbosa
– Peça vista em mesa!
Celso
de Mello – Eu ponderaria ao eminente presidente, talvez conviesse encerrar
trabalhos e vamos retomá-los na quarta-feira começando especificamente por esse
ponto. Isso não vai retardar…
Barbosa
– Já retardou. Poderíamos ter terminado esse tópico às 15 para cinco horas…
Lewandowski
– Mas, presidente, estamos com pressa do quê? Nós queremos fazer justiça.
Barbosa
– Pra fazer nosso trabalho! E não chicana, ministro!
Lewandowski
– Vossa Excelência está dizendo que eu estou fazendo chicana? Eu peço que Vossa
Excelência se retrate imediatamente.
Barbosa
– Eu não vou me retratar, ministro. Ora!
Lewandowski
– Vossa Excelência tem obrigação! Como presidente da Casa, está acusando um
ministro, que é um par de Vossa Excelência, de fazer chicana. Eu não admito
isso!
Barbosa
– Vossa Excelência votou num sentido, numa votação unânime…
Lewandowski
– Eu estou trazendo um argumento apoiado em fatos, em doutrina. Eu não estou
brincando. Vossa Excelência está dizendo que eu estou brincando? Eu não admito
isso!
Barbosa
– Faça a leitura que Vossa Excelência quiser.
Lewandowski
– Vossa Excelência preside uma Casa de tradição multicentenária…
Barbosa
– Que Vossa Excelência não respeita!
Lewandowski
– Eu?
Barbosa
– Quem não respeita é Vossa Excelência.
Lewandowski
– Eu estou trazendo votos fundamentados…
Barbosa
– Está encerrada a sessão!
Lewandowski,
o reincidente
Não dá! Uma corte suprema não pode se dar a esses desfrutes. Isso é ruim para o tribunal e para o país.
Lewandowski,
cumpre notar, é reincidente nesse tipo de prática. Lembram-se do primeiro dia
do julgamento? Por duas vezes, no curso do processo, COM O SEU VOTO, o tribunal
se recusou a desmembrar o processo. Negou-se, amparado na lei, a enviar para a
primeira instância os réus que não tinham foro especial. E o que fez o ministro
no primeiro dia do julgamento?
Votou
a favor de um recurso preliminar de Márcio Thomaz Bastos para… desmembrar o
processo! Vale dizer: também ali, a exemplo do que fez nesta quinta,
Lewandowski votava contra Lewandowski. Seu voto, então, que deveria ser um
improviso, já que, em tese, ninguém sabia que Bastos entraria com esse pedido,
tinha… 70 páginas! Foram mais de duas horas votando sobre uma questão
preliminar, acatando-a, que ele próprio já havia por duas vezes recusado.
Como
presidente do TSE, o ministro fez uma das considerações mais duras que já li
contra a Lei da Ficha Limpa. Tempos depois, ele se tornou o mais entusiasmado
defensor dessa mesma lei.
O
bate-boca de ontem, que quase chega a sopapos nos bastidores se deu por causa
de um bispo… Imaginem quando chegar a vez de Dirceu, o “papa”…
Por Reinaldo Azevedo
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