Ai,
ai… Quando eu começo assim, leitor, é porque a estupidez desperta em mim certa
preguiça intelectual; é quando penso: “Contestar Fulano e Beltrano não é nem
certo nem errado, é inútil”. Mas depois vem o senso do dever. Então parto pra
briga, também ela intelectual. A Comissão Nacional da Verdade concluiu o seu
trabalho. Aponta 434 mortos durante o regime militar, acusa a responsabilidade
de 377 pessoas, cobra a revisão da Lei da Anistia e propõe a desmilitarização
das PMs — seja lá o que isso signifique. De maneira indecorosa, a comissão
ignorou os assassinados por grupos terroristas: há pelo menos 121. Não! Esses
cadáveres não contam. Não devem entrar na categoria de carne humana. Também os
atos violentos dos grupos terroristas foram banidos da “verdade”. E as
besteiras a respeito já começam a vir a público.
Destaco,
em primeiro lugar, a fala daquele que tem mais importância: Luís Roberto Barroso,
ministro do Supremo, segundo quem a validade da Lei da Anistia, a 6.683, de
1979, deve ser examinada de novo pelo tribunal. Explica-se: em 2010, o STF
declarou a sua vigência plena. De acordo com o § 1º do Artigo 1º, estão
anistiados todos aqueles que cometeram crimes políticos ou conexos — logo,
anistiam-se todos: à esquerda e à direita; agentes do estado ou não;
terroristas ou torturadores. Anistia tem a mesma raiz da palavra “amnésia”: não
quer dizer perdão, mas “esquecimento” para efeitos penais. Isso não significa
que fatos possam ser apagados da história — como a Comissão da Verdade tenta
fazer, diga-se, com as vítimas das esquerdas. A comissão propõe frontalmente
que se ignorem a lei e a decisão do Supremo.
Barroso,
o mais esquerdista dos ministros da Corte, diz que o Supremo deve rever a
decisão tomada pelo próprio tribunal. Sob qual pretexto? Reproduzo o que ele
disse à Folha:
“O que é preciso saber é se lei [da Anistia] é compatível com Constituição e qual a posição que deve prevalecer (se do STF ou da Corte Interamericana). Esta situação de haver decisão da Corte Interamericana posterior à decisão do supremo e em sentido divergente é uma situação inusitada”.
É
mesmo? Vamos ver. Em primeiro lugar, o Supremo já decidiu que a Lei da Anistia
é compatível com a Constituição, sim — sempre lembrando que ela foi aprovada
antes da atual Carta Magna, que é de 1988. Fosse hoje, não haveria mais como
anistiar pessoas que praticaram tortura, mas também não haveria como anistiar
as que recorreram ao terrorismo. As duas práticas, segundo a Constituição, não
são passíveis de graça, segundo o Inciso XLIII do Artigo 5º: “a lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem;”
Ocorre,
meus caros, que a Emenda 26, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte,
tinha como pressuposto a anistia. Vale dizer: o ato fundador da nova
Constituição incorporou a anistia por livre e espontânea vontade. Não foi um
ato da ditadura, mas de um Congresso eleito de forma livre e soberana. Agora
voltemos, então, a Barroso. Como é, ministro? Quer dizer que o Supremo
brasileiro conta agora com uma instância revisora, que é a Corte
Interamericana? Ora, tenha a santa paciência! Ou por outra: a instância máxima
de decisão da República Federativa do Brasil não se encontra mais em solo
pátrio? Só pode ser piada.
Não
maior do que a contada por Pedro Dallari, que tem a simpática atribuição de
“coordenador nacional da Verdade”. Uau! O Brasil não só tem uma verdade oficial
como esta verdade tem um “coordenador nacional”. Nem o stalinismo teve um.
Disse o rapaz: “Nós
defendemos que haja a responsabilização. Se o Poder Judiciário entender que não
há necessidade de rever a lei, porque já pode haver a condenação
independentemente de revisão, não há necessidade de revisão. Essa decisão será
do Poder Judiciário”.
Aí, então,
é a jabuticaba das jabuticabas. O próprio Dallari admite que não há como jogar
a lei no lixo. Não havendo, ele defende que se dê às palavras um sentido
diferente daquele que elas têm.
Que
coisa! A Comissão Nacional da Verdade quer nos fazer crer que só agentes do
estado praticaram violência; que não houve terrorismo no Brasil; que as pessoas
assassinadas pelos terroristas não eram humanas; que a emenda que convocou a
Constituinte não foi aprovada por um Congresso soberano; que se pode dar a um
texto legal a interpretação que lhe der na telha e que o Supremo Tribunal
Federal está subordinado à Corte Interamericana.
E
isso tudo, leitores, é apenas mentira!
Por Reinaldo Azevedo
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