quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lula prega política que ignorou na Presidência

Josias de Souza
  
Homenageado na Câmara com duas medalhas, Lula fez um belíssimo discurso. O ponto alto foi a defesa que fez do Congresso e da atividade política. Disse que é preciso “aprofundar a democracia”. Algo que exige “a coragem de romper com a acomodação, com os velhos vícios e com o receio de mudar.” Parece ter descoberto o que faltou à sua Presidência de oito anos.
Lula disse ter visto nas ruas de junho “uma lição de civilidade democrática.” Mas ficou entristecido ao perceber que parte da rapaziada nega a política, “como se nenhum político prestasse, como se nenhum partido prestasse.” Percebeu que os jovens “não faziam distinção partidária nem ideológica”, como se na política fosse “todo mundo no mesmo saco.”
Mais cedo, no Senado, em outra sessão festiva, Lula rasgara seda para José Sarney, um político que chamava de “ladrão” no passado e que acolheu como aliado na Presidência, entregando-lhe nacos energéticos do Estado. A plateia teve a impressão de que será mais fácil distinguir partidos e ideologias na hora em que Lula decidir se fica dentro do saco ou fora dele.
Generoso, Lula atribuiu as “conquistas” obtidas na sua administração ao “diálogo político envolvendo o governo, o Legislativo e a sociedade.” Gentil, evitou dizer que seus aliados entendiam melhor a linguagem das verbas e dos cargos. “Não me conformo ao ver banalizada nos dias de hoje a desqualificação da atividade política e das instituições republicanas.”
Lula tem razão. Noutros tempos, a esculhambação era menos disseminada. Tão restrita que, no início da década de 90, um político recém-saído do universo sindical virou música do Paralamas do Sucesso ao dizer que havia 300 picaretas no Congresso. “Todos os agentes políticos tem uma parcela de responsabilidade nesse fenômeno”, discursou Lula. “Ninguém defenderá o Parlamento e os partidos se essas instituições não fizerem por merecer o respeito da sociedade.”
O que fazer? “Aprimorar os mecanismos de transparência e controle externo, não compactuar com o compadrio, o fisiologismo, o desvio, a confusão entre o público e o privado”, lecionou Lula. “São obrigações republicanas básicas, das quais o agente público deve ser exemplo para o cidadão comum.”
Bem se vê que, na Presidência, Lula realmente “não sabia” de nada do que se passava ao redor. A compra de consciências no mensalão, o toma-lá-dá-cá, as ONGs companheiras… Ele não viu nadinha da Silva. Passou dois mandatos tentando descobrir que diabo, afinal, estava fazendo no Planalto. Só agora se dá conta de que talvez não sirva como exemplo. Mas é um fantástico aviso.
Num instante em que a afilhada Dilma Rousseff desfaz a carranca para distribuir sorrisos aos sócios do condomínio, o padrinho que montou a sociedade revelou da tribuna da Câmara que quem sai aos seus não endireita mais: “Nada contribui tanto para desmoralizar a política do que ver partidos atuando como reles balcões de negócios, alugando prerrogativas como tempo de proganda e o acesso a fundos públicos.”
Na noite desta terça-feira, Lula encontra-se com Dilma para apertar os pontos da costura de 2014. Nesta quarta, após participar da festa de aniversário de 10 anos do Bolsa Família, ele retornará para São Bernardo. Antes de embarcar talvez receba a visita da autocrítica. Ela lhe mostrará o espelho. E dirá: “Olá, vim apresentar você a você mesmo.”


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