O
racialismo chega à fase do delírio. O arquivo está aí para evidenciar as vezes
em que aqui se chamou a atenção para o fato de que a política de cotas, sob o pretexto
de tratar desigualmente os desiguais, trata é desigualmente os iguais — vale
dizer: fere o fundamento da igualdade perante a lei, sem a qual não pode haver
democracia digna do nome. Se a herança histórica faz com que determinados
grupos sejam mais vulneráveis e tenham especiais dificuldades de acesso a
determinados benefícios, há ao menos duas formas de intervenção que não violam
a democracia a) políticas públicas e universais que
capacitem os mais pobres — o que será bom para todos, brancos, negros e
mestiços (exemplo: escola pública decente); b) políticas SUPLEMENTARES de promoção
dos vulneráveis. Nesse caso, o governo federal poderia, por exemplo, financiar
uma espécie de curso pré-vestibular para estudantes comprovadamente carentes. O
que é inaceitável, embora esteja em curso, é que o ingresso ao ensino superior
puna ou promova alguém por causa da cor de sua pele. A injustiça social
corrigida pela injustiça material é só perversão moral. Mas as cotas foram
consideradas constitucionais.
Bem, se constitucionais são, aí
é questão de tempo para que se tente aplicá-las em todos os ambientes — e, em
breve, outros grupos ditos “vulneráveis” pedirão o mesmo. Já chego lá. Leio o
que segue na VEJA.com. Volto depois.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a reserva de vagas para parlamentares de origem negra na Câmara, nas Assembleias Legislativas nos estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Pela proposta, a fração de políticos negros “corresponderá a dois terços do percentual de pessoas que tenham se declarado pretas ou pardas no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, desde que o número de vagas não seja inferior a um quinto ou superior à metade do total de vagas. Em números, na Câmara dos Deputados essa cota significaria uma reserva de pelo menos 102 cadeiras para parlamentares negros. A cota, conforme o texto sugere, teria prazo de vinte anos, prorrogáveis pelo mesmo período. A matéria será analisada agora por uma comissão especial e, se aprovada pelo colegiado, seguirá para aval do plenário.
Voltei
É um despropósito absoluto. A PEC é de autoria dos deputados petistas Luiz Alberto (BA) e João Paulo Cunha (SP), o mensaleiro. Trata-se de uma tentativa de subordinar metade da Câmara a movimentos militantes controlados pelo PT. Segundo a proposta, o eleitor daria o seu voto habitual e depois um outro, para preencher as cotas. Ora, isso fere o fundamento primeiro da democracia, que é a liberdade de voto. Por que, seja eu branco, mestiço ou negro, devo ser obrigado a escolher, no universo dos candidatos autodeclarados negros, um representante?
Será que a natureza de um
Parlamento democrático é expressar a exata composição da sociedade no que
concerne à cor da pele? Isso induz à leitura estúpida de que candidatos
mestiços ou negros (para o racialismo, os dois grupos são considerados
“negros”), a despeito de divergências de qualquer outra natureza, devam ter uma
pauta comum. Ainda que ser “negro” fosse uma categoria, pergunta-se: eles não
são livres para divergir entre si, como divergem os brancos?
Não que a ideia conte com a
minha simpatia, mas vá lá: por que, então, não se impõe aos partidos uma cota
de candidatos negros? Isso atenderia às demandas do cotismo, sem, no entanto,
agredir a liberdade de escolha do eleitor. Em tese ao menos, um maior número de
negros candidatos poderia resultar num maior número de negros eleitos.
Será
que os negros já não estão lá?
O caso esbarra ainda em outra questão: o que é ser negro? Segundo o IBGE (2010), cujo registro decorre da autodeclaração, os negros propriamente formam 7,6% da população.
Muito bem! Segundo o texto, a
fração de políticos negros corresponderá a pelo menos dois terços dos que assim
se declararam, não podendo ser inferior a um quinto nem superior à metade…
Santo Deus!!!
Comecemos do óbvio. Para o
racialismo, “mestiço” é considerado, sociologicamente falando, um “negro”. Ora,
tal lei reservaria, então, pelo menos 102 cadeiras para esse grupo. Se há
coleguinhas com tempo, esse levantamento pode ser feito: tenho a certeza de que
o número de negros e mestiços na Câmara já superou essa marca. Mas atenção! E
se, por qualquer razão, o Brasil quiser mais do que 50% de negros e mestiços na
Câmara? Será a lei a impedi-lo?
Já existem hoje cotas raciais
em universidades federais para mestrado e doutorado. O governo já firmou um
acordo com ONGs racialistas para encaminhar a implementação da medida no
serviço público. Em breve, começará a pressão para que também o Poder
Judiciário obedeça a essa divisão. Pois é… Vejam o caso do Supremo: o
presidente da Casa, Joaquim Barbosa, é um “negro negro”, não um “negro
mestiço”. Pertence, caso se levasse tal divisão em conta, a 7,6% da população,
o que não garantiria nem mesmo um “representante” desse suposto grupo na Corte…
Mais: a ser a composição da sociedade o critério para escolher os
representantes do Supremo, é preciso nomear mulheres, até que elas sejam ao
menos seis. A competência e o notório saber serão apenas o segundo critério. Em
todas essas áreas do estado, suponho que outros “grupos vulneráveis” também
queiram reparação, certo? Há que estimar o percentual de homossexuais, por
exemplo, para fazer a devida compensação. Voltando ao Supremo: assim que Celso
de Mello deixar a Corte (em 2015 ou antes, como ele chegou a dar a entender),
seria preciso indicar para a vaga uma lésbica. “O que você teria contra? É
preconceito?”, perguntam ensandecidos de plantão. Resposta: NADA CONTRA! Desde
que essa suposta lésbica fosse a mais competente, não entre as mulheres
lésbicas, mas entre as de notório saber jurídico.
Encabrestar
o Congresso
Cotas violam a Constituição, como já escrevi aqui. “Ah, o Supremo não acha.” Ok, eu me dou o direito de acatar a decisão, mas de não mudar de pensamento. Sigamos. Ainda que violem a Carta, como digo, essas cotas, no entanto, encontram uma justificativa ao menos plausível: tratar-se-ia de garantir a todos acesso a bens públicos, como educação, por exemplo.
Ora, no que concerne ao voto,
esse direito já é amplamente assegurado a todos, inclusive aos analfabetos, que
só não podem ser votados. Não há grupo social no Brasil que esteja impedido de
votar ou que tenha seu voto condicionado a essa ou àquela circunstância. A
composição da Câmara, dentro do modelo proporcional — que não acho o melhor
(como sabem) —, reflete a vontade dos brasileiros. Há distorções, sim! Ao se
estabelecer uma bancada mínima (8 deputados) e uma bancada máxima (70), a
população do Amapá acaba super-representada, e a de São Paulo, sub-representada.
Essa distorção — ou aquela
outra, que acaba elegendo o deputado sem voto por causa da proporcionalidade —
nada, rigorosamente nada!, tem a ver com a questão racial. Brancos, pardos,
negros, indígenas, amarelos votam em quem bem entenderem, sem qualquer patrulha
ou restrição. Esse é o fundamento do voto universal e da democracia.
O que o deputado Luiz Alberto
(PT-BA) pretende, isto sim, é subordinar metade do Congresso brasileiro aos
movimentos que têm a pretensão de dividir o Brasil em raças. Somos da raça
humana. Se a cor da pele nos distingue e se isso ainda traz prejuízos para
muitos brasileiros, precisamos investir mais na integração e menos no confronto.
Por Reinaldo Azevedo
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