Lá vem confusão pela frente. E mais gritaria está garantida por uns bons dias. Até porque a imprensa, pautada pelo sindicalismo gay, já nem mais lê o que é e o que não é votado na Câmara. Reproduz o que dizem os militantes. Ademais, se os evangélicos estão de um lado, então cumpre ficar do outro. É um jeito burraldo de pensar. Não é jornalismo, mas militância. Assim, no entanto, são os dias. Até o verão passado, era proibido questionar a turma do aquecimento global. Mas aí o mundo não acabou e até esfriou… Vamos lá. O deputado Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, decidiu votar na semana que vem o Projeto de Decreto Legislativo 234/11, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), que torna sem efeito o trecho do Artigo 3º e todo o Artigo 4º da Resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia. Já explico o que dizem tanto a resolução como o Projeto de Decreto Legislativo. Cumpre, antes, notar como a coisa está sendo noticiada.
Diz-se
por aí: “Feliciano vai votar proposta que trata homossexualidade como doença”;
“Feliciano vai votar projeto sobre cura gay”. Reportagem daFolha chega a atribuir à proposta de Campos o que
nela não está. Explico daqui a pouco.
Então
vamos aos documentos. A íntegra do Projeto de Decreto Legislativo estáaqui, com a justificativa. Reproduzo a parte propositiva
em azul.
Art.
1º Este
Decreto Legislativo susta o parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da
Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999.
Art. 2º Fica sustada a aplicação do Parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.
Art. 3º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 2º Fica sustada a aplicação do Parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.
Art. 3º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Então
é preciso fazer o que virou raridade nas redações quando os lobbies “do bem”
ditam a pauta; saber, afinal, que diabo dizem os trechos que seriam sustados.
“Art.
3° – os
psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação coercitiva tendente a
orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
Comento
Atenção!
A proposta de Decreto Legislativo não toca no caput do Artigo 3º. Ele seria mantido intocado. Como
deixa claro o projeto do deputado, seriam suprimidos apenas o Parágrafo
Único do Artigo 3º e o Artigo 4º. Ora, afirma a reportagem da Folha (em
vermelho): “O projeto de Campos quer sustar dois artigos
instituídos em 1999 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). O primeiro
impede os psicólogos de exercer ações que favoreçam ‘a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas’. O segundo afirma que os
profissionais não podem emitir opiniões que reforcem ‘preconceitos
sociais’ contra os homossexuais ‘como portadores de qualquer desordem
psíquica’”. Como
se vê, o trecho em destaque da reportagem do jornal está errado porque se
refere ao caput do Artigo 3º, que permaneceria intacto.
Mistificações
Como
se nota, ao suprimir esses dois trechos da Resolução 1/99, o Projeto de Decreto
Legislativo não passa a tratar a homossexualidade como uma doença. É mentira!
Também não autoriza a “cura gay”. É outra mentira! São distorções absurdas!
Quando essa mesma proposta foi discutida na Comissão de Seguridade Social e
Família da Câmara, já foi uma baixaria infernal. Escrevi então a respeito. E algumas das considerações deste
texto são daquele post.
Fato,
não militância
Procederei
a algumas considerações prévias, até que chegue ao cerne da questão. Avalio que
a homossexualidade não tem cura pela simples razão de que não a considero uma
doença. E nisso concordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde) e com o
Conselho Federal de Psicologia. Assim, não acredito em terapias que possam
converter héteros em gays ou gays em héteros (não se tem notícia de que alguém
tenha buscado tal conversão). Mais: sexualidade não é uma opção — se fosse, a
esmagadora maioria escolheria o caminho da maior aceitação social, e, nessa
hipótese, as escolhas poderiam até ir mudando ao longo do tempo, à medida que
determinadas práticas passassem a ser mais aceitas ou menos.
Há
quem só goste de um brinquedo; há quem só goste do outro; e há quem goste dos
dois. Essa minha opinião não é nova — o arquivo está aí. Os espadachins da
reputação alheia, como escreveu Balzac, fazem questão de ignorá-la porque
gostam de inventar inimigos imaginários para posar de mártires. Muito bem. Até
aqui, não haveria por que os gays — ou o que chamo “sindicalismo gay” —
estrilar. Mas é evidente que não pensamos a mesma coisa. Entre outras
divergências, está o tal PLC 122 que criminaliza a chamada “homofobia”.
Trata-se de um delírio autoritário. Já escrevi muito a respeito e não entrarei
em detalhes agora para não desviar o foco.
Vamos
lá. Desde 22 de março de 1999, está em vigência a tal Resolução 1 (íntegra aqui), que cria óbices à atuação de psicólogos na relação
com pacientes gays. Traz uma porção de “considerandos”, com os quais concordo
(em azul), e depois as resoluções propriamente.
Listo os ditos-cujos:
CONSIDERANDO
que o psicólogo é um profissional da saúde;
CONSIDERANDO
que na prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o
psicólogo é frequentemente interpelado por questões ligadas à sexualidade;
CONSIDERANDO
que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do
sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;
CONSIDERANDO
que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão;
CONSIDERANDO
que há, na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes
da norma estabelecida sócio-culturalmente;
CONSIDERANDO
que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o
esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de
preconceitos e discriminações
Aí
vem o conteúdo da resolução. O caput do Artigo 3º, com o qual ninguém mexe (à
diferença do que diz a Folha), é correto. Reproduzo de novo:
“Art.
3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação coercitiva tendente a
orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
Está
claro, então, que os psicólogos não atuarão para favorecer a patologização da
homossexualidade nem efetuarão tratamentos coercitivos. E a parte que cairia?
Pois é…Transcrevo outra vez (em vermelho e em destaque):
Parágrafo
único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham
tratamento e cura das homossexualidades.
Art.
4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos
públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos
sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer
desordem psíquica.
Têm
de cair mesmo!
Qual
é o principal problema desses óbices? Cria-se um “padrão” não definido na
relação entre o psicólogo e a homossexualidade. Esses dois trechos são tão
estupidamente subjetivos que se torna possível enquadrar um profissional — e
puni-lo — com base no simples achismo, na mera opinião de um eventual
adversário. Abrem-se as portas para a caça às bruxas. Digam-me cá: um psicólogo
que resolvesse, sei lá, recomendar a abstinência sexual a um compulsivo (homo
ou hétero) como forma de livrá-lo da infelicidade — já que as compulsões,
segundo sei, tornam infelizes as pessoas —, poderia ou não ser enquadrado nesse
texto? Um adversário intelectual não poderia acusá-lo de estar propondo “a
cura”? Podemos ir mais longe: não se conhecem — ou o Conselho Federal já
descobriu e não contou pra ninguém? — as causas da homossexualidade. Se um
profissional chega a uma determinada terapia que homossexuais, voluntariamente,
queiram experimentar, será o conselho a impedir? Com base em que evidência
científica?
Há
uma diferença entre “verdade” e “consenso da maioria influente”. Ademais,
parece-me evidente que proibir um profissional de emitir uma opinião valorativa
constitui uma óbvia infração constitucional. Questões ligadas a comportamento
não são um teorema de Pitágoras. Quem é que tem o “a²= b²+c²” da
homossexualidade? A resolução é obviamente autoritária e própria de um tempo em
que se impõe a censura em nome do bem.
Ora,
imaginem se um conselho de “físicos” ousaria impedir os cientistas de tentar
contestar a relatividade. O que vai ali não é postura científica, mas
ideologia. Se conceitos com sólida reputação de verdade, testados
empiricamente, podem ser submetidos a um teste de estresse intelectual, por que
não considerações que dizem respeito a valores humanos? Tenham paciência! O
fato de eu não endossar determinadas hipóteses ou especulações não me dá o
direito de proibir quem queira fazê-lo.
Fiz
uma pesquisa antes de escrever esse texto. Não encontrei evidências de
resolução parecida em nenhum lugar do mundo. O governo da Califórnia, nos EUA,
proibiu a terapia forçada de “cura” da homossexualidade em adolescentes. É
coisa muito diferente do que fez o conselho no Brasil. Países que prezam a
liberdade de expressão e que não querem usar o discurso da liberdade para
solapar a própria liberdade não se dão a desfrutes dessa natureza.
Então
vamos lá. Eu não estou defendendo terapias de cura da homossexualidade. Eu não
acredito que haja cura para o que não vejo como doença. Também não acho que
estamos nos universo das escolhas. Dito isso, parece-me uma suma arrogância que
um conselho profissional interfira nessa medida na atividade clínica dos
profissionais e, atenção!, dos pacientes também! Assim, no mérito, não vejo
nada de despropositado na proposta do deputado João Campos. Ao contrário: acho
que ela derruba o que há de obviamente autoritário e, entendo, inconstitucional
na resolução porque decidiu invadir também o território da liberdade de
expressão, garantido pelo Artigo V da Constituição.
É
preciso saber ler
Proponho
aqui um exercício aos meus colegas jornalistas. Imaginem um Conselho Federal de
Jornalismo que emitisse a seguinte resolução, com poder para cassar o seu
registro profissional:
“Os
jornalistas não colaborarão com eventos e serviços que proponham qualquer forma
de discriminação social”.
“Os
jornalistas não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos,
nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos contra
pobres, negros, homossexuais, índios, mulheres, portadores de necessidades
especiais, idosos, movimentos sociais e trabalhadores”
O
idiota profissional diria: “Ah, está muito bem para mim! Eu não faria nada
disso mesmo!” Não, bobalhão, está tudo errado! Você se entregaria a uma “corte”
de juízes que definiria, por sua própria conta, o que seria e o que não seria
preconceito. Entendeu ou preciso pegar na mãozinha para ajudar a fazer o
desenho? O problema daquele Parágrafo Único do Artigo 3º e do Artigo 4º é o
subjetivismo. Ninguém pode ser obrigado, não numa democracia, a se submeter a
um tribunal que pode dar a sentença máxima com base nos… próprios preconceitos.
Nem
nos seus delírios mais autoritários ocorreria a um conselho profissional nos
EUA, por exemplo, interferir dessa maneira na relação do psicólogo com o seu
paciente. Uma coisa é afirmar, e está correto, que a homossexualidade não é
doença; outra, distinta, é querer impedir que o profissional e quem o procura
estabeleçam uma relação terapêutica que pode, sei lá, disciplinar um
comportamento sexual sem que isso seja, necessariamente, uma “cura”.
Os
tais trechos da resolução, entendo, são mesmo autoritários e inconstitucionais.
E têm de cair. E o que parece, isto sim, não ter cura é a vocação de amplos
setores da imprensa para a distorção. Cada vez mais, a notícia se transforma
num instrumento para privilegiar “os bons” e satanizar “os maus”. Isso é
militância política, não jornalismo.
Por Reinaldo Azevedo
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