domingo, 16 de janeiro de 2011

Diferenças que igualam o pobre demais ao muito rico

Num ponto, os brasileiros muito ricos se igualam aos muito pobres: ambos são condenados. O que muda é o tipo de pena.

Veja o caso dos banqueiros. Ganham dinheiro demais, eis a miséria deles. Ou lucram uma exorbitância ou serão fracassados. São prisioneiros do exorbitante.

Já os brasileiros alcançados pelo acidente de ter nascido pobres só de raro em raro livram-se da exclusão perpétua. São reféns da imprudência genética.

No Brasil dos últimos anos, os companheiros de infortúnio dos banqueiros foram ao Bolsa Família. Assemelha-se ao Bolsa Juros, só que paga menos. Do cercadinho dos banqueiros ninguém quer sair. Do programa dos sem-banco, ainda que alguém queira, tem dificuldade de achar a saída. Deve-se à repórter Marta Salomon a divulgação de um lote de dados que ajudam a iluminar o drama.

Salomon retirou-os de uma pesquisa feita por encomenda do Ministério do Desenvolvimento Social. Muito pobre e subescolarizada, a clientela do Bolsa Família tem dificuldade natural para arranjar emprego. A sondagem revela: quando arruma ocupação, o sujeito fica pouco. Quando sai, demora a encontrar outra vaga.

Significa dizer que, nos moldes atuais, a chamada “porta de saída” tornou-se um pedaço irrealizável do Bolsa Família. A maioria dos empregos obtidos pelos beneficiários do Bolsa Família não oferece registro em carteira. Vem daí que, mesmo entre os que suam a camisa, 75,2% não dispõem de cobertura da Previdência Social. Na população economicamente ativa do país, o índice de excluídos previdenciários é alto, mas bem menor: 49,8%.

Doutor em estatísticas e consultor do ministério que gere o Bolsa Família, Alexandre Leichsenring resume assim os achados da pesquisa: “A inserção dos beneficiários do Bolsa Família no mercado formal, quando existe, é bastante precária...” “...Menos de um ano depois da contratação, metade dos beneficiários é desligada, 30% perderão seus empregos em menos de seis meses...”

“...Fora do mercado de trabalho, menos de 25% são recontratados nos quatro anos seguintes”.

Fica mais fácil entender por que tão poucos brasileiros pendurados ao Bolsa Família devolveram por conta própria os cartões de pagamento.

Na dúvida quanto à possibilidade de caminhar com as próprias pernas, será sempre mais conveniente assegurar o benefício: entre R$ 22 e R$ 200 por família.

Sob Lula, a porta de saída foi, por assim dizer, negligenciada. Sob Dilma Rousseff, o governo se dispõe a enfrentar o problema. Dilma se autoimpôs o desafio de erradicar a pobreza. Coordenadora do sonho, a ministra Tereza Campello disse coisas assim no discurso de posse:

“Certamente, o maior desafio continua sendo a inclusão produtiva, a geração de oportunidades de geração de emprego e renda...” “...A gente quer que as famílias possam deixar de precisar do benefício”.

Antes do Plano Real, na Era da superinflação, os bancos tiveram um suprimento regular de sua substância vital: a exorbitância. Com o fim da inflação lunar, o governo ofereceu-lhes o Bolsa Juros. Trocou-se o exorbitante pelo exagerado.

Continuaram ganhando muito. Ganham demais. Mas a perpectiva de normalidade os asfixia. Submetidos ao desconforto dos lucros apenas fabulosos, os banqueiros oferecem um cabuloso exemplo aos sem-banco.

A “porta de saída” do Bolsa Família é a conversão dos beneficiários de pessoas físicas miseráveis em pessoas jurídicas do sistema financeiro.

Escrito por Josias de Souza

Nenhum comentário: