domingo, 16 de maio de 2010

Bolsa Família desestimula trabalho rural no Nordeste

A sucessão presidencial de 2010 converteu o Bolsa Família numa unanimidade.

Neste ano, o benefício vai chegar às casas de 12,5 milhões de famílias.

De olho nos votos dessa clientela, nem o presidenciável da “oposição”, José Serra, se anima a criticar o programa.

Ao contrário, o candidato tucano diz que, se eleito, vai ampliá-lo.

Sob os méritos do Bolsa Família, porém, sobrevive um vício que o governo não logrou sanar: o desestímulo ao trabalho formal.

Com receio de perder o benefício, lavradores do Nordeste esvaziam as fazendas. É o que conta o repórter Fernando Canzian, em notícia levada às páginas da Folha.

Os trabalhadores fogem do emprego formal também para não perder o direito à aposentadoria especial antecipada.

Os candidatos a esse tipo de aposentadoria –aos 55 anos para as mulheres e 60 para homens— são classificados como “segurados especiais”.

Registrada a carteira, viram “assalariados rurais”. E tem de contribuir à Previdência por 13 anos ou trabalhar mais cinco antes de se aposentar com o salário mínimo.

Daí a opção de muitos trabalhadores por fugir do mercado formal. A falta de mão-de-obra leva as fazendas a se adaptar.

O repórter esteve em Brejões, município baiano assentado a 281 km de Salvador. Ali, fazendas que se dedicavam ao cultivo de café migram para a pecuária.

Canzian relata: "Propriedades que antes tinham até 800 mil pés de café e empregavam mais de 170 pessoas na safra estão virando pastos, geridos por menos de dez pessoas".

Ouvido, João Lopes Araújo, vice-presidente da Associação Comercial da Bahia, disse que a falta de mão-de-obra para a lavoura tornou-se crônica.

O curioso é que, no caso do Bolsa Família, o trabalho registrado para a colheita de uma safra, por temporário, não põe em risco o benefício.

A despeito disso, a clientela prefere não correr o risco. Ouça-se, por exemplo, Juceli de Jesus Alves, 47 anos:

"É melhor contar com o certo [o Bolsa Família] do que com o incerto". Mãe de nove filhos, Juceli trabalhava, na semana passada, numa fazenda de Brejões.

Trabalho informal, sem anotação na carteira de trabalho. Por quê? “Medo”, disse Juceli, que recebe R$ 134 mensais do Bolsa Família.

Muitos trabalhadores nem sabem que haverá sucessão presidencial neste ano. Juceli disse que imaginou que a eleição fosse para prefeito.

Conhece José Serra ou Dilma Rousseff? “Não”. E Lula? "Conheço demais. Pois não é ele que dá esse dinheiro pra gente?".

Outros dois lavradores ouvidos pelo repórter –Arivaldo Oliveira, 29; e Claudio Silva, 21—também disseram desconhecer os candidatos.

Mas esclareceram que planejam votar "na tal mulher do Lula". A dupla reside em lares alcançados pelo Bolsa Família. Num, recebe a mulher. Noutro, a mãe.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Social negou que o Bolsa Família desestimule o emprego.

Não quis comentar o caso de Brejões, cuja verificação in loco faz da negativa uma pantomima. Alegou que precisaria analisar os dados antes de se posicionar.

No geral, o ministério escora sua negativa num estudo feito pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

O documento sustenta que o Bolsa Família tem "efeito insignificante" na procura por empregos no Brasil.

Nada que autorize a conclusão de que o programa leva à “dependência”. O texto anota:

"Não se pode dizer que o programa gere dependência em virtude da transferência de renda".

São inegáveis os efeitos positivos da política social do governo. Iniciada timidamente sob FHC, foi amplificada sob Lula.

Produziu redução na disparidade de renda, levou comida à geladeira de lares pobres e contribuiu para a formação de um mercado interno de consumo.

Porém, é inegável também que o futuro da política de bolsas passa pelo reforço à qualificação profissional e à oferta de emprego. O tema deveria frequentar o debate sucessório.

Mas os candidatos se limitam a dizer coisas definitivas –“vou manter”, “vou aperfeiçoar”— sem definir as coisas.

FONTE: Blog do Josias


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