sábado, 29 de agosto de 2009

Classe média é de mané

No mundo do crime também existem classes entre bandidos; cada qual com sua categoria. Os grandes assaltantes de quantias milionárias têm status por sua esperteza e competência. Um assalto de milhões a um banco ou a uma empresa qualquer que seja, privada ou pública, não é para qualquer um. Até porque o objetivo desse tipo de assalto é conseguir um resultado "limpo", sem sangue. Pois o bandido já está num estágio de querer se sentir integrado ao mundo dos ricos. Sentir-se "admirado" e poderoso.

Um grande assalto quase sempre é muito bem arquitetado para evitar a necessidade de matar. Não por generosidade, mas porque o risco será muito maior devido à comoção social causada por alguma morte; que acaba gerando maior cobrança de justiça e perseguição mais intensa da polícia. Ou seja, uma desmoralização total para assaltantes profissionais. Já os amadores matam até sem querer e ainda se sentem "injustiçados". Mais. Os amadores enlameiam a vida de quem não tem a ver com seus crimes e, perversamente, se calam: que os outros respondam por eles.

Dessas coisas, mais ou menos, já se sabe. A novidade agora é o estudo da antropóloga Jania Perla de Aquino, que conversou com dezenas de assaltantes milionários. Em sua pesquisa constatou que eles vivem, "trabalham" e desenvolvem o gosto pelo risco como se fossem empreendedores de verdade. Sem dimensionar a diferença que os separa do mundo empresarial legal, chegam a investir em negócios lícitos. Parecem mesmo esquecer a identidade criminosa; a realidade de serem do mundo ilegal.

Segundo a antropóloga, em entrevista a Mariana Sanches na Época desta semana, esses bandidos não se enxergam como honestos, "mas não se consideram mais criminosos que a maior parte das pessoas ricas". Por quê? Porque têm a percepção de que a sociedade em que vivem é corrupta. O que não chega a surpreender. Entretanto, Jania conclui que eles não se contentam em ser apenas de classe média. E a razão disso está num desejo maior: o de entrar em lojas finas e ser bajulados. Mais ainda. Eles querem de fato "ser a elite"; consumir mais, circular em meios sofisticados. Classe média, portanto, seria coisa de mané. "Eles entraram no crime não porque ser pobre é ruim, mas porque ser rico é muito bom", diz a antropóloga.

Você é da classe média como eu? Somos manés. Pertencer à classe média não está com nada. Ser alguém de origem familiar pobre que emergiu? Não há mérito algum. Resumindo, pouca gente admira ou propaga admirar quem teve chances de ascender socialmente por meio da educação e do trabalho honesto. E pensar que isso já foi valorizado porque ajudaria a se ter uma vida auspiciosa...
A impressão no momento é que a classe média em geral virou alvo para todos os tipos de assaltos. Coitada. Não tem como se blindar e não se expor na rua ou em qualquer lugar. Tem de encarar os ladrões desclassificados e sem categoria. Aqueles que acham que o "rico" é sempre o outro para ser roubado porque tem algum dinheiro: da prestação de serviços ou do salário; grana para as compras do supermercado ou para as mensalidades escolares, para a parcela do carro ou da casa própria. Que importa? Tem até bandido "ideológico" achando que não é crime pegar ou ganhar na marra de quem tem mais. Mesmo pouquinho. Perdeu, perdeu.

Isto é resultado da propaganda consumista? Ou dos discursos esquerdistas latino-americanos? Não dá mais para ficar nessa de esquerda versus direita, que só fomenta mais violência e ignorância. Dá-lhe educação, dá-lhe desenvolvimento sustentável! Tem que acabar com o perdeu, perdeu. Que haja valorização da criatividade e libertação do espírito guerreiro que existe em cada um de nós.
O todo não evolui se os indivíduos não evoluírem. Resumir tudo a pobres e ricos como se o mundo fosse estático é uma atitude absurda. Até porque a moral desta história de assaltantes milionários é a seguinte: também no mundo do crime existe extrema desigualdade de renda!
Não, por favor. Não perca o bom humor.

Ateneia Feijó é jornalista e escritora. Trabalhou nos principais jornais e revistas do país - entre eles a extinta Manchete, o Jornal do Brasil e o Correio Braziliense

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