Informação
que veio a público neste fim de semana desenha de maneira clara, insofismável e
sem retoques a fuça e a face do patrimonialismo à moda petista. Para conferir
especial colorido ao retrato, a personagem central da tela é ninguém menos do
que José Dirceu, aquele que foi apontado pelo Ministério Público Federal como
chefe da quadrilha do mensalão — um crime pelo qual acabou não sendo condenado
pelo Supremo, como se sabe.
Pois
bem: Dirceu está de volta ao centro da narrativa. Na semana passada, o juiz
Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, tornou públicos os dados
fornecidos pela Receita Federal sobre a JD Consultoria, a empresa do chefão
petista. Sem nenhuma tradição na área, o empreendimento poderia figurar em
qualquer lista de maiores e melhores, não é? O Zé conseguiu faturar R$ 29,2
milhões entre 2007 e 2013. Só em 2012, ano em que foi condenado, ganhou R$ 7
milhões; em 2013, ano em que ficou preso, R$ 4,2 milhões. Duvido que
presidiário de qualquer outro ramo tenha ganhado tanto dinheiro em atividade
lícita ou ilícita. Ele ainda acabará sendo acusado de concorrência desleal…
Segundo
informou a Folha no
domingo, o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, confessou que o
pagamento que fazia à “consultoria” de José Dirceu era descontado da comissão
de 2% que pagava ao esquema criminoso, decorrente de seus contratos com a
Petrobras. Outro representante da Camargo Corrêa afirmou que pagava pelos
“serviços” do ex-ministro com receio de ser prejudicado nos negócios.
E
chego, assim, então, ao ponto que me interessa. O que é o patrimonialismo senão
a apropriação ilegal, promovida por uma elite perversa, do bem público, de
sorte que os interesses privados, de uma minoria espoliadora, acabam se
sobrepondo aos interesses coletivos? O que é o patrimonialismo senão a recusa
dos valores republicanos e a negação, na prática, da democracia política?
Não!
Isso não é novo por aqui. Há uma sólida literatura política sobre o tema em
nosso país e sobre as várias feições que esse patrimonialismo pode assumir:
nacionalismo fascistoide, populismo de direita, populismo de esquerda etc.
Em
2003, o assalto ao bem público para privilegiar uma casta ganhou uma nova
feição. O patrimonialismo então se reciclava e expropriava, vejam a ousadia,
também o discurso da reparação social. Isto mesmo: o modelo petista não
assaltou apenas os cofres públicos. Roubou também o discurso da justiça social.
Sim,
antes da chegada do PT ao poder, havia o coronelismo nordestino, ainda que com
novo verniz. E continuou a existir depois do PT. Havia alguns nababos da
indústria que se beneficiavam de protecionismos ou linhas especiais de crédito.
Continuaram a existir depois do PT. Havia uns tantos medalhões do mercado
financeiro que sempre souberam negociar o binômio estabilidade-títulos
públicos. Continuaram a existir depois do PT.
O PT
dito de esquerda soube negociar e compor com o velho patrimonialismo com
impressionante destreza, mas tinha a sua própria agenda. Soube ser generoso com
o velho sistema, mas começou a impor o novo patrimonialismo, que consiste em
aquinhoar o aparelho partidário e suas franjas com, digamos, uma “taxa de
sucesso”. É assim que a corrupção se generalizou e se tornou um método. É assim
que empreiteiros — de perfil político certamente conservador — se tornaram os
intermediários do assalto ao estado promovido por um partido que se diz de
esquerda.
E
como é que Dirceu entra nessa história? Tanto no velho como no novo
patrimonialismo, há espaço para esquemas individualizados, não é? Que Dirceu
fosse uma potência no ramo da consultoria, isso VEJA já havia evidenciado em
agosto de 2011, quando revelou que, mesmo processado pelo STF, ele mantinha em
Brasília uma espécie de governo paralelo.
O
centro clandestino de poder ocupava um quarto no hotel Naoum. A revista
informou, então, que, em apenas três dias, entre 6 e 8 de julho de 2011, o
homem recebeu uma penca de poderosos. Prestem atenção a alguns nomes da
lista de notáveis que foram beijar a mão do Zé, com os cargos que exerciam
então: Fernando Pimentel, ministro da Indústria e Comércio; José Sérgio
Gabrielli, presidente da Petrobras; e os senadores Walter Pinheiro (PT-BA);
Lindbergh Farias (PT-RJ); Delcídio Amaral (PT-MS) e Eduardo Braga (PMDB-AM).
Naquele ano, sua consultoria lhe rendeu R$ 4,7 milhões. No ano seguinte, no seu
melhor, R$ 7 milhões.
O PT
não prometeu mudar o Brasil? Mudou, ora essa! Antes, só as ditas elites
tradicionais assaltavam o país. Com a chegada do partido ao poder, esse assalto
passou a ser dividido com as novas elites.
Por Reinaldo Azevedo
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