É
o fim da picada! Gilberto Carvalho, o segundo homem mais poderoso do PT (só
perde para Lula) e secretário-geral da Presidência, é o mais bolivariano dos
ministros da presidente Dilma Rousseff. Nesta segunda, em tom agressivo, ele
saiu em defesa do absurdo decreto Decreto 8.243, aquele
que institui pela via cartorial a ditadura petista.
Já escrevi a respeito do
assunto, no dia 29 passado, o texto está aqui. Evidencio
lá que Dilma se dá o direito de definir o que é “sociedade civil” — são
os movimentos sociais — e que, na prática, ela os transforma em instâncias da
República não eleitas por ninguém. Trata-se de uma forma descarada de golpe
branco na democracia representativa. Com esse decreto, os petistas outorgam a
si mesmos o poder permanente, eterno, já que a esmagadora maioria desses grupos
é ligada ao PT.
Pego no pulo, vendo que parte
da sociedade percebeu a manobra, Carvalho decidiu sair no grito e chamou os
críticos de “hipócritas”. Fingindo-se de inocente e leso, tudo o que ele não é,
fez a seguinte indagação retórica: “Como se pode falar em ditadura quando se fala em ampliar o
controle da sociedade sobre o governo?”. Ora,
ministro… Isso é pergunta para enganar trouxas. O que teremos, isto sim, será
um maior controle da “sociedade petista” — e, portanto, de um partido — sobre o
governo, qualquer que seja ele.
Esse caminho é conhecido pela
Venezuela, pela Bolívia, pelo Equador, pela Nicarágua. Esse caminho, saibam, é
conhecido até por Cuba, formalmente ao menos, uma das sociedades mais
mobilizadas e mais organizadas do mundo — mas sempre sob o tacão do Partido
Comunista.
Carvalho achou que, se fosse
agressivo e malcriado, poderia ter razão. Mandou bala: “Só ignorância, má-fé ou
desconhecimento histórico e a falta de uma atenção à leitura ao primeiro
parágrafo da Constituição pode levar uma pessoa a fazer acusações absurdas como
essas, de que estamos usurpando do poder ou que estamos fazendo tentativas bolivarianistas”.
Errado! Ignorante — ainda que
seja ignorância voluntária, calculada — é a declaração de Carvalho. Ele fala em
primeiro parágrafo — suspeito que quisesse dizer “artigo” — da Constituição?
Então vamos a eles.
O primeiro parágrafo, no
sentido propriamente textual, não jurídico, é este:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Onde estão os “conselhos
populares” de que trata o decreto presidencial? O primeiro parágrafo fala, sim,
em democracia direta, mas atenção!
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
O “exercício direto” do “poder
do povo” se dá “nos termos desta Constituição”, na forma de “plebiscito,
referendo e iniciativa popular”, conforme estabelece o Artigo 14. A
Constituição brasileira não autoriza os “sovietes” de Gilberto Carvalho. Assim,
se existe má-fé nessa história, ela parte de Carvalho e dos petistas.
O decreto de Dilma é
grotescamente autoritário. O Inciso I do Artigo 2º abre as portas do poder para
toda e qualquer organização. Está escrito lá que “sociedade civil” compreende “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais
institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas
organizações”.
Atenção para o truque,
leitores! Tudo o que não é “institucionalizado é não institucionalizado”,
certo? Vocês querem ver eu abarcar cem por cento da humanidade? Basta que eu me
refira a “todos os corintianos e não corintianos” (fatalmente, todas as pessoas
do mundo são uma coisa ou outra); a “todos os vegetarianos e não vegetarianos”;
a “todos os admiradores do Bolero de Ravel e aos não admiradores”; a “todos os
apreciadores de comida japonesa e aos não apreciadores”.
Ora, a seu critério, então, o
governo pode escolher um conselheiro de órgãos federais da administração direta
e indireta de um “movimento não institucional” qualquer? Se a Associação dos
Amigos de Gilberto Carvalho quisesse, a seu modo, dar pitaco no governo, é
claro que ela poderia, certo? Afinal, tratar-se-ia de um movimento não
institucional.
Gilberto Carvalho, com o seu
jeito santarrão, sabe ser truculento, mas nunca foi um bom argumentador. Em
defesa de sua tese, lembrou que a ditadura militar criou diversos conselhos.
Ainda que tivessem natureza distinta desses que Dilma pretende instituir, a
lembrança não deixa de ser oportuna. Carvalho está dizendo que chegou a hora de
instituir a ditadura petista.
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