A
presidente Dilma Rousseff assinou nesta terça um projeto de lei que reserva 20%
das vagas em concursos públicos a “afrodescendentes”, este nome cretino
inventado pelo discurso politicamente correto. Nota: entre os afrodescendentes,
estão os mestiços, que são, como se sabe, também eurodescendentes. Já entro no
mérito. Antes, algumas considerações.
Não há forma mais desonesta de
debater do que transformar uma opinião contrária à sua numa caricatura. Ai o
bobo grita: “Chamar o sujeito de petralha, por exemplo!”. Não! “Petralha” é um
tipo específico, cuja definição está em livro e já em dicionário: é o sujeito
“que justifica o roubo de dinheiro público em nome da causa ou da construção do
partido”. E se o cara roubar só para si? Ora, é um ladrão sem qualificação
especial. Não é nem melhor nem pior do que o outro. O debate no país está
viciado. Palavras como “direita” são usadas como xingamento, e xingamentos como
“fascista” são pau para toda obra. Aprendemos que defender o uso de animais
como cobaias em laboratórios é coisa de… fascistas! Os fascistas alemães,
também conhecidos por “nazistas”, preferiam usar gente em suas experiências.
Mas preservavam borboletas. Tinham grande apreço pela natureza.
“Você é contra cotas raciais?
Ah, eu sabia! Então defende a exclusão dos negros, a discriminação e se
incomoda de vê-los nos aeroportos”. Entende-se, assim, que a defesa de
cotas raciais não é mais a escolha de uma política pública, mas um dever moral.
Se negros, e os há aos montes, forem contra cotas, das duas uma: a) ou não são dignos da pele que têm; b) ou ainda não despertaram para a verdadeira
consciência, o que implicaria que ser negro é, antes de mais nada, não poder,
em certas circunstâncias, ser livre para escolher. Há outras implicações. Um
branco pode, se decente, ser a favor das cotas; se detestável, contra.
Um negro que as defenda está apenas sendo coerente com a cor de sua pele;
um que se oponha não seria digno nem da pele que tem; é um nada: não é branco
porque não é e não é preto porque não quer. Trata-se de um juízo
intelectualmente delinquente.
O debate se reduz à sua
dimensão mais miserável. Os supostos monopolistas do bem já não se ocupam em
contestar argumentos. Basta pregar a eliminação daquele que é visto como um
adversário. Sei muito bem do estou falando, não é? Em especial, nestes dias.
Não faz tempo, no que concerne à questão racial, um caso chamou atenção. O
jornalista Heraldo Pereira foi tachado por um desses seres trevosos de “negro
de alma branca”. Heraldo teria assumido uma posição de destaque na maior
emissora do país, segundo aquele elemento, por conta de alguma compensação
generosa feita à cor de sua pele em troca da sua submissão, não por seu talento
ou competência profissional. A Justiça obrigou o dito-cujo a se retratar da
injúria racial cometida.
Heraldo é meu amigo, meu irmão.
Divergimos sobre muita coisa — inclusive sobre cotas raciais (nunca sobre o
Corinthians!). Ele é favorável. Eu não. Está entre os profissionais mais
competentes que conheço. Tem uma formação intelectual rara no nosso meio.
Ascendeu porque é bom, não porque é negro. Um branco com o seu talento teria
chegado ao mesmo lugar. Muito bem!
Quantos representantes de
movimentos negros apareceram para repudiar a afirmação asquerosa contra
Heraldo? Quantos intelectuais de esquerda? Quantos jornalistas engajados? Ouviu-se
um enorme silêncio! Afinal de contas, o agressor e um dos sedizentes
“blogueiros progressistas”, e Heraldo, ora vejam, é da Globo. Sendo assim, eles
até podem tolerar alguma injúria racial, não é?
Se a agressão, afinal de
contas, é dirigida contra um negro que exerce posição de destaque na maior
emissora do país, há de se desconfiar que coisa boa esse cara não é. Na Globo,
é preciso que um preto faça a faxina para que os “conscientes” possam confirmar
os seus próprios preconceitos. Houve canalhas brancos — vejam o meu vocabulário
de rottweiler — que se atreveram a ensinar a Heraldo como ser um verdadeiro
negro.
De
volta a Dilma
É nesse ambiente viciado que Dilma
Rousseff envia o seu projeto de lei. Como se informou aqui há dias (e descobri
hoje que já há jornalista fazendo lobby em nome da causa), proposta aprovada na
CCJ da Câmara impõe cotas raciais também para a composição da Câmara. A
proposta de Dilma foi encaminhada em regime de urgência e tem de ser votada em
45 dias. Será aprovada.
Se é para estabelecer cotas e
se estamos falando de uma questão de justiça, cabe desde logo a pergunta: por
que, então, só 20%? Se são reservadas a afrodescendentes e se entram nessa
categoria os negros e pardos, então a reserva tem de ser 50,74%. De onde saiu o
número mágico? Por que não 15% ou 25%?
Como regra geral, na
universidade ou no serviço público, qualquer critério que não mire apenas o
desempenho fere, entendo, a Constituição (o STF acha que não; eu acho que sim;
o STF manda, eu acato, mas não preciso concordar com o mérito) e o bom senso.
Mas noto uma questão importante: cotas em serviço público e nas universidades
não são a mesma coisa; têm características absolutamente distintas.
Nas escolas, vá lá, pode-se
ainda argumentar que se trata de criar condições especiais de acesso ao ensino
que qualifiquem, então, os negros e pardos para competir com os brancos em
condições de igualdade — há caminhos para fazer isso sem ferir o princípio da
igualdade perante a lei. O futuro servidor não entrará no serviço público para
ganhar uma nova competência (como a oferecida pela universidade) que o mercado
de trabalho lhe vai cobrar mais adiante. Não! Do estado brasileiro, espera-se
apenas que cumpra o seu dever e selecione os mais aptos — em benefício,
diga-se, de brancos, mestiços e negros.
“Ah, você antevê que o serviço
vai piorar?” Não antevejo nada. Como não estou certo de que pioraria a
representação da Câmara se as cotas fossem aprovadas. Ocorre que se trataria,
nesse caso, de uma violação ao direito que tem o eleitor de escolher livremente
em quem quer votar e se trata, no caso das cotas para servidores, de uma clara
violação do princípio da igualdade entre, atenção!, profissionais já formados.
Não é o estado que vai lhe dar uma nova competência; eles é que estarão
fornecendo a sua competência ao estado.
Mas como resistir? Quem vai
dizer “não”? Quem terá a coragem de enfrentar as hostes militantes e a rede de
desqualificação na Internet? A própria Advocacia-Geral da União tem dúvidas
acerca da constitucionalidade da medida, mas está certa de que ninguém ousará
recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Insisto que essa não é uma questão
similar à das cotas nas universidades públicas, embora eu me oponha também
àquelas.
Perguntas
essenciais
Dilma tem, se não erro na conta, 39 ministros, que ela escolhe
livremente entre os representantes da base aliada. Espero que tenha o bom
senso, então, de aplicar o regime de cotas na escolha de seus auxiliares
diretos, o que significaria pelo menos oito ministros “afrodescententes”. E que
não os confine em pastas para as quais ninguém dá muita bola. Da mesma sorte, o
regime tem de ser aplicado no comando das estatais, autarquias e fundações
federais.
Não só isso. O governo federal
conta com mais de 20 mil cargos de confiança, que são livremente escolhidos por
quem governa. Pergunta-se: haverá cotas também nesse caso? Se é justo que
alguém que preste concurso possa eventualmente ser preterido em razão da cor da
pele, por que aqueles que não se submetem a exame nenhum seriam regidos por
regime diferente?
Para
encerrar
Dilma anunciou ainda que áreas quilombolas e indígenas terão
preferência para o envio de profissionais do programa “Mais Médicos”. Está
entendido. Brancos eventualmente pobres, com a pança tomada por verminoses,
são, em alguma medida, herdeiros do branco explorador. Poderão até ser tão
ferrados como os negros pobres ou ainda mais, mas a sua cor os condena.
Por Reinaldo Azevedo
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