Acordei
nesta quinta-feira, ontem, com um placar, cá na minha cabeça, de 7 a 4 contra a
admissão dos embargos infringentes, o recurso que pode levar alguns réus do
mensalão — entre eles, os do núcleo duro petista — a um novo julgamento. Havia
chegado a ele a partir de fragmentos de informação, da interpretação de alguns
sinais, da leitura das sublinhas de declarações etc. Votos certos mesmo, dá
para apostar a mão, são os de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que vão
acolher o recurso; Barbosa já o rejeitou. O resto são conjecturas — minhas e de
todo mundo. A sessão do Supremo terminou, e eu estava mais pessimista. Não se
assistiu a pouca coisa nesta quarta e nesta quinta, não. Houve enormidades,
lances constrangedores, tentativas de golpes mesquinhos e monumentais,
chicanas, provocações as mais rasteiras, investimento no impasse, grosseria… A
sorte, a grande sorte!, é que Joaquim Barbosa, o presidente, desta feita, agiu
de modo impecável. Vamos lá.
Barbosa
mostrou-se impassível até mesmo quando Ricardo Lewandowski fez a mais dura
acusação contra o tribunal desde que o julgamento começou: acusou os que não
votam como ele de agir de modo deliberado para prejudicar os réus — falava
particularmente de José Dirceu. Acusou seus pares, então, de não se ater aos autos,
mas de atuar para prender Dirceu. Ora, a mais clara e mais inequívoca de todas
as verdades, aí sim, evidenciada pelos fatos, é que ele, Lewandowski, a cada
gesto, a cada atitude, a cada decisão, atuou para favorecer o chefão petista.
Se alguém foi para o tribunal como uma agenda, certamente não foram seus
adversários de voto. Não seria difícil fazer o elenco de ações e decisões de
Lewandowski que convergiram nesse sentido.
Quem
forneceu todos os pretextos e arsenal para os que pretendiam melar o julgamento
foi mesmo Teori Zavascki. Sua tese é
exotismo judicial. Rever a pena de Dirceu (e outros quadrilheiros) porque
outras condenações desses mesmos réus tiveram pena-base mais branda é um
disparate. Zavascki se escandaliza porque a pena-base por quadrilha do chefão
petista teria avançado 75% em relação à mínima. É mesmo? Quantos chefes de
quadrilha houve? Que papel ele exercia na organização criminosa e no próprio
governo, onde a dita-cuja passou a operar? Pior, já notei: Zavascki acha que
embargos de declaração não se prestam a esse tipo de revisão. Como, no entanto,
o tribunal concordou em corrigir uma real distorção em outro caso, aproveitou,
então, para rever uma penca de votos anteriores. É um jeito estranho de pensar:
como ele acredita que o STF errou ao aceitar um embargo (o de Breno Fishberg),
então ele resolveu aceitar… todos! Que cabeça é essa? Então Teori acha que um
erro é um vexame, mas uma porção deles, uma epifania? Então Teori é do tipo que
se opõe a um suposto erro e, em sinal de protesto, admite logo uma dúzia?
Primeiro
movimento
Assistimos, sim, nestes dois dias, a um espetáculo grotesco. Zavascki não participou da dosimetria da pena de Dirceu porque nem era membro do tribunal. Lewandowski e Dias Tottoli também não porque absolveram o réu. Não obstante, a questão levantada por Teori foi instrumentalizada para se tentar dar um golpe no julgamento. Toffoli, sem nenhum constrangimento, sem qualquer senso de medida, sem qualquer preocupação com o decoro — OS PETISTAS VINHAM ACUSANDO-O DE FALTA DE DEDICAÇÃO À CAUSA —, chegou a propor a redução da pena de quadrilha para Dirceu e os demais, fazendo ali, ao vivo, a sua própria dosimetria. Nem mesmo esperou para saber se a tese de Teori restaria vitoriosa. Já foi metendo a mão no melado, se lambuzando no que parecia ser uma grande virada. Imagino o frenesi lá entre os comensais de Dirceu (ver post abaixo). Lewandowski, buliçoso, fazia a segunda voz, grande pizzaiolo da tarde, com a massa fornecida por Teori. A reversão, no entanto, não aconteceu. Mas ganhou uma adesão: a do ministro Marco Aurélio. Agora, a defesa do chefão petista já fala em apresentar um embargo infringente, na hipótese de que exista, por causa dos quatro votos favoráveis no embargo de declaração. Querem transformar o julgamento numa daquelas bonequinhas russas, a matrioshka: de dentro de uma, sempre sai outra. Ou, então, na boca do Alien, aquele monstrengo horroroso e babento: de dentro de uma boca asquerosa, sempre surge outra. Quando se pensa que acabou, lá vem uma linguona visguenta. Não sei, não, parece haver, além dos 11 titulares, um 12º passageiro no Supremo.
Segundo
movimento
Fui muito criticado por alguns operadores de direito, inclusive por pessoas amigas — mas também bastante elogiado, é bom ficar claro — , porque estranhei o fato de que o ministro Teori, na quarta, a partir de um lance que eu saiba incidental do julgamento, tivesse produzido uma peça redigida de cinco páginas. A que me refiro? Ele não tinha como adivinhar que Roberto Barroso proporia a revisão da pena de Breno Fischberg. Menos ainda tinha como adivinhar que esse voto — a meu ver, correto — sairia vitorioso. Afinal, ele próprio se posicionou contra. Não obstante, usou o triunfo da tese de Barroso como pretexto para propor a sua penca de revisões. Tivesse feito ali, de improviso, com base, então, no andamento dos debates, eu teria achado normal. Mas não! Estava com uma peça redigida, com argumentação muito enfática (publiquei trecho em post desta quinta). Os que me criticaram dizem: “Um juiz prudente sempre se prepara!” Tá bom! Então eu tenho uma nova estranheza.
Lembram-se
de Jacinto Lamas? O embargo de declaração deste senhor foi julgado no primeiro
dia desta nova fase, quando, diga-se, estava previsto que se cuidasse já do
embargo infringente, uma vez que a defesa de Delúbio resolveu se antecipar e apresentar
tal expediente. Zavascki não participou porque faltou à sessão. Sua mulher
havia morrido. Ele estava fora do tribunal. Eis que, nesta quinta, do nada, ele
saca a questão de Lamas — que absolutamente não estava em debate. Ato contínuo,
Lewandowski faz o quê? Passa a ler um voto sobre o caso que, curiosamente,
citava — estava escrito lá! — o de Zavascki. Com todo o respeito, não é? Mas
começo a achar que, nesse julgamento, ou algumas pessoas passaram a exibir
dotes mediúnicos, sobrenaturais (Padre Quevedo diz que “non ecziste” e que é
tudo telepatia), ou, então, há o grande risco de estar havendo uma espécie de
concerto que não concorre para a grandeza do tribunal. Tribunais concertados, e
não consertados, costumam obedecer a entes de razão que não servem à Justiça.
Servem então a quem? A quê? Costumam obedecer ao 12º passageiro.
Terceiro
movimento
Findos os embargos de declaração, Joaquim Barbosa começou a tratar dos agravos regimentais interpostos pelas defesas de Delúbio Soares e Cristiano Paz. O primeiro havia já recorrido ao embargo infringente — o que, hoje, parece ter sido um erro estratégico fundamental —, e o segundo pedia dilatação do prazo para a apresentação desse tipo de recurso. Muito bem! Em maio, Barbosa, monocraticamente, havia dito “não” às duas coisas. Na sessão desta quinta, tratava-se de submeter tal decisão ao plenário porque as defesas recorreram ao agravo regimental, que força a decisão monocrática a ser submetida ao plenário. Se a maioria do tribunal endossar a posição de Barbosa, acabou o julgamento. Ao explicar por que rejeitou o embargo infringente, o presidente do Supremo apelou à explicação óbvia, que vocês conhecem bem: a lei 8.038 disciplina as ações de competência originária dos tribunais superiores e não prevê tal expediente.
Nota
antes que avance: se a defesa de Delúbio não tivesse se precipitado, um novo
acórdão começaria a ser redigido com as alterações feitas pelas votações dos
embargos de declaração, e, aí sim, as defesas, publicado o texto, tentariam
então os infringentes. Quando menos, ganhar-se-ia mais tempo. Como houve a
antecipação, então se pode fazer já esse debate e tomar a decisão.
Muito
bem: advogados de outros réus que teriam direito aos infringentes apresentaram
um memorial afirmando que, como a decisão decorrente da iniciativa da defesa de
Delúbio teria também efeito sobre o destino de seus respectivos clientes,
gostariam de participar do debate, apresentando seus próprios argumentos.
Roberto Barroso, então, sugeriu que se desse mais uma semana para que estes
apresentassem seus pontos de vista, transferindo a decisão (ou começo dela)
para a próxima quarta-feira. Mais uma nota antes que continue: o ministro Celso
de Mello interrompeu, num dado momento, a leitura do voto de Joaquim Barbosa
com uma intervenção sobre os infringentes que, a mim, pareceu-me um tanto
ambígua, tendente, para falar a verdade, a flertar com o recurso. É claro que
torço para estar errado. Vamos ver.
Aí
foi, então, a vez de o ministro Marco Aurélio, sem nenhuma preocupação em ser
compreendido pelas massas — ele costuma ser mais claro quando ironiza colegas
—, falar em “preclusão consumativa”, provendo (aceitando) o recurso da defesa
de Delúbio, mas apenas para, como explica o site do Supremo“reconhecer que
os embargos não foram apresentados no momento devido, ocorrendo a chamada
preclusão no caso, uma vez que a defesa não poderia ter apresentado dois
recursos (embargos de declaração e embargos infringentes) ao mesmo tempo para
questionar a condenação (…)”.
Em
português mais claro: para ele, não cabe agora esse tipo de debate. O ideal é
que se encerre essa fase dos declaratórios, que se façam as alterações no
acórdão e, aí sim, com um novo prazo, se cuide dos infringentes. Noto que Marco
Aurélio antecipou seu voto — ele é o penúltimo da turma. Pois é… O miniastro, e
ele sabe disso, já disse a mais de um interlocutor que considera um desastre
para o tribunal e para o país a admissão dos infringentes, o que jogaria o
julgamento sabe-se lá para quando. No Portal G1, no entanto, colho estsa sua declaração:“Para mim, é uma matéria
importantíssima porque viabiliza, inclusive, o direito de defesa daqueles que
acreditaram na ordem jurídica e esperaram o julgamento dos declaratórios, para
aí sim interpor esse recurso que está gerando essa celeuma toda que é um
recurso de revisão. [...] O presidente agiu a tempo, mas não agiu a modo.
Julgamos os embargos infringentes antes de entregar a prestação jurisdicional e
a ordem natural das coisas ficou prejudicada”.
Traduzindo
Marco Aurélio está convidando seus colegas a arrastar por ainda mais tempo o julgamento do mensalão. O mesmo Marco Aurélio que refez o próprio voto e aderiu à tese da revisão da pena de José Dirceu. Terei de escrever aqui o que disse no debate da VEJA.com. Gosto do ministro Marco Aurélio e nada sei que comprometa a sua isenção como juiz. Se soubesse e não tivesse como prová-lo, bastaria silenciar e não fazer essas afirmações. Mas, em nome dos fatos — e dada a importância pública da questão —, não há como ignorar que a filha do ministro, uma jovem advogada de 36 anos, foi indicada pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo quinto constitucional, para integrar o Tribunal Regional Federal do Rio. A nomeação depende de Dilma Rousseff — e se comenta, nem este faz esforço para que assim não pareça, que Lewandowski é hoje um grande eleitor.
Eu
estou ousando escrever aqui o que se está a comentar em toda parte. O ministro
Marco Aurélio sabe muito bem que não foi Joaquim Barbosa quem levou a defesa de
Delúbio Soares a antecipar o embargo infringente; sabe muito bem que o ministro
disse “não” ao embargo em maio — e, portanto, as respectivas defesas tiveram
mais de três meses para preparar seus argumentos. Sugerir, como na fala acima,
que o devido processo legal está sendo atropelado é despropósito. A quem interessa
essa demora? Para verificar exatamente o quê? Para esperar o quê? Nas
contabilidades que se faziam por aí, com base em considerações do próprio Marco
Aurélio — como se nota acima, ele gosta de falar —, o ministro era dado como um
voto contra os infringentes, até mesmo um fiel da balança.
Encerro
De novo: ninguém está a cobrar que o tribunal, com o ânimo de punir, não siga lei. Ao contrário! O que se cobra é que siga, dando um pé no traseiro do 12º passageiro! Ou, então, será engolido.
Por Reinaldo Azevedo
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