A
Suprema Corte americana é, de fato, um tribunal constitucional. Não legisla.
Além de seus membros não darem festa de arromba quando são nomeados, não têm a
ambição de “atender à agenda política” ou de “ouvir a voz das ruas”. Os juízes
costumam ouvir a voz das leis e dos princípios da Constituição. No Brasil, as
coisas são diferentes — e para pior. Setores da imprensa brasileira estão
fazendo uma lambança danada com uma decisão tomada pela corte americana no que
concerne ao casamento gay. Resta a impressão, a se crer em certos relatos, que
ela agiu à semelhança do que fez o STF no Brasil, que reconheceu a união civil
entre homossexuais ignorando um artigo da Constituição, ou, então, que se
atreveu a se comportar como o CNJ de Banânia, que decidiu obrigar os cartórios
a reconhecer o casamento gay, mesmo sem haver lei para isso, o que é uma piada.
Nota: como sabem milhares de leitores, não tenho nada contra a união civil ou
casamento de pessoas do mesmo sexo. Mas tenho tudo contra a que o STF ignore a
Constituição ou a que o CNJ se comporte como se fosse o Congresso. Então vamos lá:
o que fez a Suprema Corte dos EUA?
Existia
uma tal Lei Federal de Defesa do Casamento, conhecida como “Doma” (na sigla em
inglês) que definia o casamento como aquele celebrado entre homem e mulher.
Atenção para as sutilezas: ela impedia que pares homossexuais tivessem os
mesmos benefícios de leis federais — SÓ TRATAVA DAS FEDERAIS — de que dispõem
os casais heterossexuais. Por 5 a 4, com voto de desempate de Anthony Kennedy,
um juiz nomeado pelo conservador Ronald Reagan, essa lei foi considerada inconstitucional
porque agrediria o fundamento da igualdade, garantido na Constituição. No EUA,
quem decide essa questão são os Estados. Dos 50, em apenas 13 o casamento gay
dispõe da mesma proteção de que dispõe o heterossexual.
Atenção
para isto: à diferença do que se fez no Brasil, A JUSTIÇA NÃO SE ATREVEU A
TOMAR O LUGAR DO LEGISLATIVO, ainda mais que, nos EUA, a Justiça Federal teria
de se comportar como Legislativo estadual. Ao contrário até: ao dar seu voto de
desempate, Kennedy tornou sem efeito a lei federal porque disse que ela agredia
a autonomia que tinham os estados para decidir a respeito. Ora, se a esses é
facultado reconhecer ou não o casamento gay, a lei federal criava, então, um
estigma para os que decidissem em sentido contrário. Assim,
1) a Suprema Corte NÃO FEZ como o
STF brasileiro, que tomou uma decisão contra um artigo explícito da própria
Constituição;
2) a Suprema Corte NÃO FEZ como o
STJ brasileiro, que decidiu dar uma de Congresso e impôs aos cartórios do
Brasil inteiro um reconhecimento sem que exista uma lei que o ampare.
Nos
EUA, a Suprema Corte respeita as competências de cada Poder. Nesta quarta,
tomou posse Luís Antonio Barroso, novo ministro do Supremo. É aquele que, há
menos de dois anos, afirmou que Constituinte exclusiva para fazer reforma
política era inconstitucional e que, anteontem, estava no Congresso a defender,
em conversas com parlamentares e em entrevista à imprensa, a… Constituinte
exclusiva!!! Como advogado, atuou em favor da igualdade da união civil homo e
heterossexual — contra o que estabelece o Artigo 226 da Constituição. Nesta
quarta, dia da posse, deu declarações que poderiam qualificá-lo como
parlamentar, como chefe do Executivo ou como paladino da Justiça, não como
ministro de uma corte suprema: “Precisamos virar essa página [do
mensalão]. Temos uma agenda social, uma agenda política. Precisamos olhar para
a frente e avançar”. Ou
ainda: “As
instituições têm o dever de levar em conta a voz das ruas e procurar atender às
demandas sociais”. A
obrigação de um ministro do Supremo é fazer valer a Constituição. Só!!!
A
decisão da Suprema Corte nos EUA, que fique claro!, não obriga os estados a
tomar decisão nenhuma. Há, portanto, uma diferença abissal entre o que se fez
por lá e o que fez por aqui. Nos dois casos, sem dúvida, homossexuais foram
beneficiados, mas com uma diferença: nos EUA, seguiu-se a letra da
Constituição; no Brasil, ela foi ignorada. A mim, reitero, pouco importa o
mérito. Todos sabem a minha opinião a respeito. Mas me importo, sim, com o fato
de que se possa dar à Carta uma interpretação contra a sua própria letra ou que
o CNJ extrapole de maneira absurda a sua competência. Essa vocação, tudo
indica, justiceira de Barroso, o novo ministro, tende a transformar o STF num
partido político — afinal, partido é que têm agenda, não é, ministro? A única
agenda de um tribunal constitucional é cumprir a Constituição.
Para
encerrar, “cura gay”
Dentro
da chamada “agenda positiva” do Congresso, que inclui até passe livre para
estudante (!!!), está reprovar o Projeto de Decreto Legislativo que derruba
dois trechos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia — trechos que
provocariam o escárnio de qualquer democracia do mundo porque se atrevem a
regular até os eventos de que podem participar os psicólogos e os que eles
podem dizer ou não. Mereceu dos movimentos militantes gays e da imprensa, que
lhes é reverente, a pecha de “cura gay”. Reportagem da Folha de hoje afirma:“Manifestantes cobram a derrubada do
projeto que oferece ‘tratamento’ para a homossexualidade e a renúncia do
deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da presidência da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara.” É
ESPANTOSO! Não existe projeto nenhum que “oferece a cura gay”.
Desafio alguém a dizer onde está, a dar o seu número ou a expor o seu conteúdo.
O Projeto de Decreto Legislativo é outra coisa.
Nos
anos recentes, boa parte da imprensa passou a funcionar na base de slogans,
pechas, simplificações militantes. É o caso da PEC 37, contra a qual escrevi
dezenas de textos. Eu era contra a dita-cuja. Mas chamá-la, como se fez, de
“PEC da Impunidade” era uma simplificação estúpida — e uma inverdade também.
Não é verdade que o Ministério Público seja o único a investigar. Também não é
verdade que seja o exemplo acabado da isenção. Não existia PEC da Impunidade,
mas uma PEC que retirava do MP o poder de investigação. Não é verdade que
exista um “projeto da cura gay”. Existe apenas um projeto que derruba dois
trechos de uma resolução autoritária do Conselho Federal de Psicologia.
Naquele
caso, a imprensa cedia ao lobby do Ministério Público. Nesse caso, cede ao
lobby da militância gay. O papel da imprensa não é ceder a lobbies, ainda que
sejam considerados lobbies do bem. Acho que seu papel é se ater aos fatos para
informar, interpretar ou opinar — assim como creio, doutor Barroso, que juízes
devam se ater apenas às leis. Quem quer ser militante político deve renunciar
ao teclado ou à toga e ir paras ruas.
Por
Reinaldo Azevedo
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