sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Na democracia petista, os crimes dos companheiros devem ficar sem castigo, e os adversários não têm nem mesmo direito de defesa

Se me pedissem para sintetizar a atuação essencial das esquerdas, no Brasil e mundo afora, eu o faria assim: são correntes de pensamento que se querem donas do progresso e que pretendem impor o seu pensamento ao arrepio da institucionalidade. Para elas, o arcabouço jurídico que garante direitos universais tem de ser rompido pelos grupos que se apresentam como a vanguarda das lutas sociais — elas próprias. Assim, repudiam essencialmente a sociedade de direito em benefício do que entendem ser o direito da sociedade, em nome da qual falam, ainda que não tenham representação para tanto. Como se querem as expressões naturais do povo, a pauta que defendem — o conteúdo propriamente — não tem grande importância; ela é móvel e pode mesmo ser contraditória ao longo do tempo. Isso é irrelevante. Vivem num mundo da legitimidade auto-outorgada. Vamos pensar essa concepção à luz de alguns acontecimentos recentes. 

Há muito tempo eu não via tamanha manifestação de vigarice intelectual e de autoritarismo como a desse rapaz chamado Pedro Abramovay, militante petista — da corrente bom-moço-ilustrado (costumam ser os mais perigosos) — e ex-secretário nacional de Justiça. É aquele rapaz que andou tendo algumas ideias para diminuir a violência no país: descriminar as drogas, deixar soltos os pequenos (?) traficantes e prender menos bandidos… Um gênio! Aos ouvidos de certo jornalismo que não consegue ler estatísticas, isso soa como poesia. Ele se tornou o chefão no Brasil de uma entidade internacional chamada Avaaz, que faz petições online. Aquela contra a eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) para a Presidência do Senado fez grande sucesso — e por bons motivos. Abramovay se aproveita de um fato como esse para divulgar uma concepção moralmente dolosa do que seja democracia. Formado em direito, ex-titular da Secretaria Nacional de Justiça (!!!), deveria ter a defesa das instituições — e dos caminhos também institucionais para mudá-las — como seu norte. 

Mas não! É um militante de esquerda — ainda que da esquerda chique. É evidente que não defende mais, a exemplo dos seus pares, o socialismo. Isso é coisa do passado também para eles. Os petistas se dão muito bem no mundo do capital. Só não abrem mão de ser os donos da sociedade, de substituí-la, de falar em seu nome — não abrem mão, em suma, da condição auto-outorgada de vanguardistas. E, por isso, que se danem as instituições e as leis, incluindo o direito de defesa de seus inimigos. Abramovay quer demonizar alguém? Basta que se lance uma petição em seu site. Abramovay quer acusar a polícia de São Paulo de ter feito um pacto com o PCC? Basta que estale os dedos, e repórteres aparecem para ouvi-lo — e ele não precisa apresentar provas. Abramovay decide afirmar que quem baixou as taxas de homicídio em São Paulo foi o PCC? Basta que anuncie — e, mais uma vez, sem provas, sua acusação será publicada. E com um requinte adicional: outros “especialistas” serão convocados pelos jornalistas para opinar sobre a sua opinião. 

Não, senhores! Eu não preciso concordar com Silas Malafaia — e não concordo — sobre a possibilidade de reorientar um homossexual. Mas é uma estupidez autoritária que se tente impedi-lo de dizer o que pensa. Na entrevista que concedeu a Marília Gabriela — que se conduziu com extrema correção, diga-se, discordando, sim, do interlocutor, mas de forma respeitosa —, ele não afirmou que a homossexualidade é uma doença (e poderia tê-lo feito sem que isso constituísse crime). Sustentou que essa expressão da sexualidade é de origem comportamental. Acho que ele está errado. Mas ele não é o único no Brasil e no mundo a pensar assim. Não se tem notícia de um movimento para cassar o registro profissional de um psicólogo por expressar essa convicção. Isso, sim, é uma violência absolutamente inaceitável. Mas bastou para que surgisse lá no Avaaz uma petição nesse sentido. A evidência de que se trata de intolerância e de perseguição a alguém tido como adversário está no fato de que Malafaia nem exerce a profissão; é pastor evangélico. O que se quer, no entanto, é espezinhá-lo, agredi-lo, atacá-lo. 

Uma petição pública em favor de questões que dizem respeito ao público, vá lá. Pegue-se o caso de Renan. De fato, ser ele presidente do Senado ou não concerne a todos os brasileiros; é uma questão pública. E há outras boas na Avaaz. O vereador de São Paulo Andrea Matarazzo (PSDB), por exemplo, está propondo que o prefeito Fernando Haddad reveja a doação de um terreno para o Instituto Lula (uma das heranças benditas — para o PT — de Kassab) e que a área seja doada para creche. Virou uma petição. Faz sentido de novo! A questão é pública, diz respeito à cidadania. MAS REGISTRO PROFISSIONAL??? Ora, isso envolve também questões de natureza técnica. Quando é que se vão fazer petições tentando impedir “jornalistas incômodos” de trabalhar? É uma questão de tempo. 

A petição em favor da cassação do registro de Malafaia permanece no ar, aberta a adesões, mas aquela contrária à punição foi retirada. Abramovay a considerou um “lobby”. Ainda que fosse, pergunto: a que pede que a punição do pastor é o quê? ENTENDAM: NA VISÃO DE MUNDO DE ABRAMOVAY, NÃO EXISTE DIREITO DE DEFESA — a não ser, suspeito, para mensaleiros… Ele está convicto de que pode dar curso a uma petição dessa natureza, mobilizando a máquina do site e sua rede de influências na imprensa sem que o outro dê um pio — não no Avaaz, ele reiterou! 

Trata-se de uma manifestação absurda de assédio moral. Nos EUA e em boas democracias do mundo, Abramovay seria processado. Perderia até as calças. Se o Avaaz abriga as assinaturas de quem quer cassar o registro de Malafaia, por que não acatar, em outro documento, as dos que não querem? Nada disso! Abramovay jogou no lixo quase 70 mil manifestações porque a “comunidade”, disse ele, por maioria “democrática”, decidiu que assim seria. 

Aí voltamos lá ao começo. O rapazola, embora formado em direito, integra aquelas hostes para as quais as instituições têm pouca importância. Ele se considera muito mais relevante do que as leis do país e bobagens como o direito de defesa. Alega o moço que as regras da Avaaz preveem que se retirem do ar campanhas que se opõem a seus princípios. Bem, todas as organizações tem suas regras particulares — incluindo o PCC, a Al Qaeda… A questão é saber se o site de petições se orienta segundo as regras de democracia ou é discricionário como um grupo criminoso qualquer. 

Os mensaleiros 

Na festa dos 10 anos do PT no poder — a coisa é uma indignidade em si —, vimos lá, alegres e fagueiros, os mensaleiros. Tiveram, como é óbvio, assegurado o direito de defesa. Todo o processo se deu ouvindo sempre o contraditório. Os petistas acusam, no entanto, o STF de ter se comportado como tribunal de exceção — porque os condenou; caso contrário, estariam chamando os ministros de grandes patriotas. José Dirceu promove Brasil afora “plenárias” contra o tribunal. Entendo: “O STF é apenas a expressão maior de um Poder da República; trata-se de uma voz meramente institucional, coisa menor. Quem essa gente pensa que é?” Já o Avaaz de Abramovay é diferente. O rapaz quer o site como a voz da sociedade civil, e ele, Abramovay, como chefe, é, então, o chefe da sociedade civil. Por isso decide quem deve viver ou morrer. 

Sugiro que alguém lance no site Avaaz uma petição pedindo que a OAB casse a carteirinha de advogado de Abramovay porque, em seu mundo, inexiste contraditório. Vamos ver se isso também fere os princípios da “comunidade”. 

Por Reinaldo Azevedo

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